Publicação científica trimestral do CREMERJ - volume 2 - número 3 - 2023

EDITORIAL | EDITORIAL 8 Med. Ciên. e Arte , Rio de Janeiro, v.2, n.3, p.6-8, jul-set 2023 Aliás, são essas diferenças na busca da felicidade que tornam tão pouco produtivos os livros de autoajuda ao proporem modelos padronizados para perfis incomparáveis. Mas compreende-se que, por estas discrepâncias, não se pode pretender afinidade entre tipos que consideram que felicidade é andar descalço numa praia deserta, e os que acham que ser feliz depende de se alcançar um ponto de equilíbrio no máximo de tensão. Certamen- te, entender essas disparidades e vicissitudes, e não tentar modificá-las, além de prática saudável de convívio social, é um exercício de sabedoria. Nos últimos anos cada vez mais se discute a importância da qualidade de vida, ainda que este seja um conceito contaminado por quanto ele encerra de subjetividade. Se con- siderarmos que uma vida de boa qualidade é a que gera felicidade, já mergulharemos no imponderável: nada é mais heterogêneo do que o sentimento de felicidade. Independente do que cada um considere como modelo, um elemento é indispensável em todos eles: a pre- servação da utilidade, o que tantas vezes conflita com a ideia de não fazer mais nada. Dê a um velho uma função produtiva e ele revigorará. Remova-a, e ele definhará consumido pela perda do sentido da vida. Seguramente, a inércia programada, ou imposta por alguma limitação física, é a linha divisória entre a morte disfarçada em depressão e a vida útil do idoso saudável, e bem- -humorado. Neste último caso algum grau de deboche e ironia não só é tolerável, como altamente festejado. Em filosofia se considera muito complexa a definição de vida boa , em função do quanto, felizmente, somos diferentes. Mas alguns componentes são imutáveis: ƒ Ter uma família afetiva e calorosa. A prole bem-sucedida é um dos elementos mais importantes na construção de uma velhice feliz, enquanto repetidas frustrações nesta área contribuem tristemente para dar naturalidade à morte. ƒ Planejar estabilidade financeira, que talvez seja, junto com solidariedade familiar, um dos fatores mais importantes quando se enfrenta a doença na velhice. ƒ Ler sem parar, ouvir música, cultuar a arte, e ter amigos que façam outras coisas. ƒ Amar muito, e ter pena das pessoas que nunca se apaixonam. ƒ Praticar a generosidade, e através dela se deliciar com o mais nobre e impagável dos sentimentos humanos: a gratidão. ƒ Ter uma vida pessoal e profissional dentro de padrões éticos, que sirvam de exemplos para os filhos, de fonte do respeito dos amigos e de resposta definitiva aos desafetos. Uma vida digna, segundo os conceitos de Kant, é a que entende que a moral da ética não consiste em buscar o que fazer para sermos felizes, mas em o que fazer para me- recermos a felicidade.

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