Publicação científica trimestral do CREMERJ - volume 2 - número 3 - 2023

EDITORIAL | EDITORIAL 7 Med. Ciên. e Arte , Rio de Janeiro, v.2, n.3, p.6-8, jul-set 2023 A constatação de que determinadas etnias tendem a viver mais tem induzido à crença de que o que se come pode ter um papel relevante na longevidade, mas a tendência é a valorização do estilo de vida, mais do que a dieta ou a religiosidade. Um trabalho famoso, realizado na Stanford University, mostrou que a participação, na construção da longevidade, da assistência médica (10%) e genética (17%) e o meio ambiente (20%), no somatório, contribuem menos do que o estilo de vida (53%), este definido como a gestão do prazer e da felicidade. Outra pesquisa de grande fôlego, da Harvard, vem acompanhando 724 indivíduos, divididos em duas categorias sociais, os egressos da Universidade e os trabalhadores do porto de Boston. Este grupo heterogêneo na origem e na atividade funcional vem sendo seguido há 75 anos em um protocolo chamado Desenvolvimento Adulto (Robert Waldinger, TED). Do grupo inicial, 60 ainda estão vivos e, recentemente, mais de 2.000 filhos foram recrutados para o estudo. Uma das observações mais extraordinárias deste estudo foi a constatação de que a maioria dos octogenários felizes e saudáveis não necessariamente estava entre aqueles que, aos 50 anos, tinham colesterol normal ou perímetro abdominal de bailarino: eram aqueles que mantinham relações familiares e sociais, numerosas, alegres e confiáveis. Em contrapartida, os solitários adoeciam mais e quando isto ocorria sofriam mais, com o medo da doença multiplicado pela tristeza da solidão. Ficou também evidente a importância da qualidade das relações pessoais. Os que tiveram a felicidade de envelhecer com parceiros com quem podiam contar não só viveram mais, mas con- servaram íntegra a memória por mais tempo, mostrando que tendemos a esquecer as lembranças desagradáveis. Outro elemento determinante da qualidade do nosso envelhecimento estará inevitavel- mente atrelado ao prazer que resultou das escolhas que fizemos naquela época preciosa em que nos foi dado escolher. Muitas velhices são antecipadas e corrompidas pela consta- tação tardia e dolorosa de que a chance de felicidade plena é uma exclusividade de quem acertou na escolha profissional e fez do seu trabalho uma espécie de feriado permanente. Em contrapartida, não há como negar o desconforto de ver tanta gente que aprendeu o que podia ainda não começou a esquecer, tem saúde e na falta de vontade de fazer algu- ma coisa útil, se contenta em esperar a morte, disfarçada de aposentadoria. Um atestado inequívoco de que enquanto faziam o que fizeram, prefeririam estar fazendo outra coisa. Claro que não é possível generalizar, nem estabelecer protocolos de bem viver, porque as pessoas são diferentes em projetos, ambições, entusiasmo, comprometimento e submis- são, e todas têm o direito de fazer o que quiserem de suas vidas, incluindo nada. As coisas que energizam alguns, infartam outros.

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