Publicação científica trimestral do CREMERJ - volume 2 - número 1 - 2023

34 Manejo das complicações gastroenterológicas no paciente diabético José Galvão-Alves e Bruna Cerbino de Souza Med. Ciên. e Arte , Rio de Janeiro, v.2, n.1, p.16-41, jan-mar 2023 Doença hepática gordurosa não alcoólica Doença hepática gordurosa não alcoó- lica (DHGNA) é condição clínica caracte- rizada pelo depósito de triglicerídeos no interior dos hepatócitos na ausência de ingesta alcoólica, distúrbios hereditários ou uso de medicação que favoreça seu desenvolvimento. DHGNA é considerada hoje a causa mais comum de doença he- pática crônica no mundo, afetando apro- ximadamente 30% da população geral, e a previsão para os próximos anos é que este número aumente ainda mais, devido à epidemia global de obesidade. (38) Enquanto a maioria dos casos de DHGNA perma- nece assintomática, apresentando apenas esteatose hepática, cerca de 30% de seus portadores evoluem para esteato-hepatite não alcoólica, (39) um estado mais avança- do da doença, com inflamação hepática crônica, que pode levar à fibrose, cirrose, insuficiência hepática e, por fim, ao car- cinoma hepatocelular (CHC). O fígado é o sítio da gliconeogênese, produção e arma- zenamento de glicogênio, e da degradação de insulina. Dessa forma, o fígado tanto participa dos mecanismos fisiopatológicos do DM como sofre as consequências das alterações do metabolismo glicídico. Indi- víduos com DHGNA e DM compartilham vários mecanismos fisiopatológicos, como aumento da resistência à insulina, de cito- cinas circulantes e do estresse oxidativo. Devido a essa semelhança na patogênese, o DM2 ocorre como complicação emmuitos casos de DHGNA e, inversamente, vários casos de DM2 são ainda mais agravados pela DHGNA. Em um estudo ultrassonográfico, rea- lizado por Targher e cols. , a prevalência de DHGNA em pacientes diabéticos foi de 69,5%. (40) Amaioria dos pacientes é assintomática, porém alguns podem apresentar sintomas inespecíficos, como mal-estar e dor no quadrante superior direito. A condição clínica da DHGNA varia desde elevação moderada das transaminases hepáticas à doença hepática grave com fibrose e dege- neração nodular. Patogenia O desenvolvimento da DHGNA é com- plexo e multifatorial, sendo fortemente inf luenciado pela obesidade, síndrome metabólica e resistência insulínica. De acordo com a teoria dos múltiplos hits , a mais aceita atualmente, a resistência insulínica atuaria como condição inicial para o acúmulo de ácidos graxos no he- patócito ( first hit ), visto que favorece a lipogênese e inibe a lipólise, até mesmo no fígado, ampliando o aporte de ácidos graxos em excesso ao órgão. Em sequência, a ocorrência de eventos como o aumento do estresse oxidativo, estresse do retículo endoplasmático, disfunção mitocondrial e endotoxemia crônica ( multi hits ) provoca a evolução da forma clínica de esteatose para estato-hepatite. O fígado esteatótico

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