Publicação científica trimestral do CREMERJ - número 4 - 2022

14 Lúpus Eritematoso Sistêmico: o que o clínico precisa saber Mirhelen Mendes de Abreu Med. Ciên. e Arte , Rio de Janeiro, v.1, n.4, p.13-30, out-dez 2022 Os principais marcos da história do lúpus incluem a descrição da célula lúpus eritematoso (célula LE); a compreensão da relevância de sua agregação familiar; o re- conhecimento da falta de um padrão típico de doença e a necessidade de considerar um panorama geral para a sua classificação; e a descoberta do modelo de camundongos neozelandeses (lúpus branco). Em 1954, o lúpus induzido pela hidralazina foi descrito e em 1982 os critérios de classificação do Colégio Americano de Reumatologia (Cri- tério ACR 1982) foram publicados. Durante 1964-1990, o tratamento de formas graves da doença com altas doses de glicocorti- coides e imunossupressores/citotóxicos foi induzido. (3) Neste artigo de atualização, procura-se fornecer uma abordagem prática para o raciocínio clínico e terapêutico frente ao manejo do paciente com lúpus. Conceitos em evolução acerca do lúpus eritematoso sistê- mico incluem uma revisão da epidemiologia e suas contribuições para a compreensão etiopatológica, a diversidade e prevalência das principais formas de apresentação clí- nica, os índices clinimétricos para o manejo clínico, bem como os alvos terapêuticos. Por fim, apontam-se potenciais perspectivas propedêuticas e terapêuticas relacionadas à doença e ao paciente. Epidemiologia e Etiopatogenia Lúpus temuma predominância feminina impressionante, com quase 10 mulheres remissão 1 . Em sua etiopatogenia, tanto a imunidade inata quanto a adquirida es- tão envolvidas. A interação de genes com fatores ambientais leva a inúmeras alte- rações imunológicas que culminam em persistentes respostas imunes contra ácidos nucleicos autólogos. Danos teciduais —cau- sados por autoanticorpos ou depósitos de complexos imunes — ocorrem em diversos órgão, como rins, coração, vasos, sistema nervoso central, pele, pulmões, músculos e articulações, acarretando significativa morbidade e aumento da mortalidade. (1) Um fascínio histórico O fascínio provocado pelo desafio clí- nico é histórico. Hipócrates (460-375 a.C.) foi o primeiro a descrever úlceras cutâneas orais como “herpes estiomene”. (2) Pelo que podemos dizer, Herbernus von Tours foi o primeiro a aplicar o termo lúpus a uma doença de pele, em 916 a.C. Depois disso, uma série de termos incluindo “lúpus” e “herpes estiomene” foi usada para descre- ver úlceras cutâneas. Willan (1757-1812) ampliou a classificação de doenças de pele utilizando o termo “herpes” para doenças vesiculares e “lúpus” para doenças des- trutivas e ulcerativas da face. A primeira descrição clara do lúpus eritematoso foi relatada por Biett e citada por seu aluno Cazenave sob o termo “eritema centrífu- go” em 1833. Em 1872, Kaposi subdividiu lúpus nas formas discoides e sistêmicas e introduziu o conceito de doença sistêmica com um desfecho potencialmente fatal. (3)

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