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RESOLUÇÃO CREMERJ Nº 348/2023

(Publicado no DOU em 28, ago de 2023, Seção 1, p. 144)

Esta Resolução esta suspensa  por decisão judicial

 

Dispõe sobre a proibição da participação do médico em partos domiciliares planejados.

 

O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO no uso das atribuições que lhe são conferidas pela Lei Federal n. 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei Federal nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto n. 44.045, de 19 de julho de 1958, alterado pelo Decreto nº 10.911, de 22 de dezembro de 2021, e

 CONSIDERANDO os artigos 4º, 7º, 8º e 11 do Estatuto da Criança e do Adolescente - estabelecido pela Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - que respectivamente, exigem a adoção de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso da criança e do adolescente, e asseguram a estes atendimento médico;

 CONSIDERANDO que a Resolução CFM Nº 1.641, de 12 de julho de 2002, veda a emissão, pelo médico, de Declaração de Óbito nos casos em que houve atuação de profissional não-médico;

 CONSIDERANDO a Resolução CFM nº 1.627, de 23 de outubro de 2001 e a Resolução CREMERJ nº 121, de 25 de março de 1998, que disciplinam o Ato Médico;

 CONSIDERANDO que a assistência ao ciclo grávido-puerperal é um evento dinâmico, exigindo vigilância permanente em virtude de situações emergenciais que podem surgir durante o trabalho de parto, envolvendo o binômio materno-fetal e exigindo procedimentos médicos complexos imediatos;

 CONSIDERANDO que para maior segurança dos recém-nascidos e das parturientes, os partos, mesmo que de baixo risco, devem ser feitos em instituições hospitalares tradicionais;

 CONSIDERANDO o artigo 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil,  que estabelece que a saúde e a proteção à maternidade e à infância são direitos sociais;

 CONSIDERANDO as recomendações do Conselho Federal de Medicina e da FEBRASGO no sentido de que os partos devem ser realizados em ambiente hospitalar;

 CONSIDERANDO a Nota Técnica Nº 2/2021-CGCIVI/DAPES/SAPS/MS, do Ministério da Saúde, que orienta e fornece o posicionamento técnico sobre qual ambiente é considerado seguro para a escolha do cenário de parto e nascimento às gestantes brasileiras;

 CONSIDERANDO a Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal, do Ministério da Saúde - 2022;

 CONSIDERANDO  a decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, com relatoria do desembargador Sergio Schwaitzer que impugnou a Resolução nº 265/2012, bem como na ilegalidade da Resolução nº 266/2012, ambas do Cremerj de 2012;

 CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na 474ª Sessão Plenária do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, realizada em 24 de agosto de 2023.

R E S O L V E:

Art. 1º É vedada a participação do médico nas ações de partos domiciliares planejados, ficando excetuadas as situações de urgência/emergência obstétrica.

Art. 2º Tomando conhecimento de um parto domiciliar o médico deve fazer a notificação compulsória ao CREMERJ, circunstanciando o evento.

Art. 3º A participação do médico nas chamadas ações domiciliares relacionadas ao parto e assistência perinatal de urgência/emergência devem ser comunicadas imediatamente ao diretor-técnico da maternidade e/ou plantonista por telefone para o qual o médico pretende levar a gestante caso tenha intercorrência que necessite de suporte hospitalar.

Art. 4º É compulsória a notificação ao CREMERJ, pelos Diretores Técnicos de unidades hospitalares do atendimento a complicações em pacientes submetidas a partos domiciliares e seus conceptos ou oriundas das chamadas “Casas de Parto” (Centro de Parto Normal Extra-Hospitalar).

 § 1º. É responsabilidade do médico que prestou o primeiro atendimento comunicá-lo à direção técnica da unidade.

§ 2º. A unidade de saúde destino dos pacientes (gestante, puérpera e recém-nascidos) ficará responsável pela elaboração de instrumento de notificação próprio, devendo considerar suas características assistenciais, dados clínicos e epidemiológicos encontrados por ocasião da internação hospitalar.

Art. 5º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

 

Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2023.

 

Conselheiro Clovis Bersot Munhoz

Presidente

 

 

Conselheiro Marcelo Erthal Moreira de Azeredo

Diretor Primeiro Secretário

 

 

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO Nº 348/2023.

 

Não há qualquer estudo no Brasil e no mundo que mostre vantagens em desfechos importantes (mortalidades materna e neonatal ou morbidades graves) em partos domiciliares, sendo que há vários, inclusive uma metanálise de Wax realizada em 2010 que demonstra seus riscos aumentados frente aos partos hospitalares mostrando o triplo de mortalidade neonatal em partos domiciliares. Estudo  de Grunebaum (AJOG, 2015) demonstrou que cerca de 30% dos partos domiciliares feitos por enfermeiros tinham fatores de risco que indicavam que deveria ter sido hospitalar e o mesmo autor em 2014, utilizando dados americanos, mostrou risco de mortalidade neonatal maior que 3 vezes em partos domiciliares e de quase 7 vezes se feito com 41 semanas ou mais. Estudo de Cheng (AJOG, 2013) com mais de 2.000.000 de partos mostrou maiores taxas de complicações neonatais em partos domiciliares. Revisão sistemática de Blix (BMC, 2014) demonstra avaliando mais de 200.000 mulheres que as taxas de necessidade de transferência para hospitais podem chegar a mais de 30% entre os estudos participantes. Quando se aplica isso à realidade brasileira, de pouca infraestrutura e trânsito caótico, é temerário. Para piorar o cenário, algumas celebridades manifestam apoio a esses partos domiciliares, escondendo que têm por trás de si uma enorme estrutura de médicos e UTIs móveis, para possíveis intercorrências, o que não está disponível para as menos abastadas. Do ponto de vista científico, podemos resumir que os estudos tendem a mostrar maior risco de morbidades e mortalidade neonatais entre os nascidos de partos domiciliares, quando comparados a partos hospitalares.

 

 O desfecho mortalidade materna é muito raro e difícil de detectar, mas não há nenhum estudo no mundo que diga ser o parto domiciliar mais seguro. O que alguns estudos mostram como vantagem do parto domiciliar é uma menor intervenção. Isso é óbvio, visto que em casa não há o aparato tecnológico adequado  para as intervenções eventualmente necessárias. O que temos objetivamente que avaliar é uma escolha entre correr o risco de uma maior mortalidade neonatal ou de uma maior taxa de intervenção.

Não podemos esquecer das particularidades do Brasil, já que esses estudos são quase que 100% realizados em países desenvolvidos. A Holanda é o único país do mundo com taxas de partos domiciliares acima de dois dígitos e tem como política de saúde as diminuir ano a ano, o que vem conseguindo.

 

Defendemos a autonomia da mulher - após devidamente esclarecida na escolha entre seu tipo de parto (cesariana ou vaginal) - e reconhecemos que para aquela parcela que deseja o parto vaginal o cenário englobando todos os atores é por vezes bastante dificultoso.

 

A principal discussão em relação ao parto em ambiente extra-hospitalar refere-se à segurança materna e perinatal. Os potenciais riscos do parto planejado fora do hospital se referem ao fato de que mesmo nas situações de risco habitual podem surgir problemas emergenciais que demandam solução em ambiente hospitalar. As gestantes de risco habitual devem ser informadas que o parto vaginal é evento seguro, entretanto, não há como prever a ocorrência de complicações, que podem por em risco a integridade física da mãe ou do feto/recém-nascido. As informações disponíveis na literatura sobre os riscos e benefícios da assistência domiciliar do parto advêm de estudos realizados em países mais desenvolvidos do que o Brasil, que dispõem de sistema de saúde com organização funcional para essa finalidade. Um estudo citado é o estudo colaborativo Birthplace, realizado na Inglaterra, (Birthplace et al. 2011) que é uma coorte prospectiva de gestantes de muito baixo risco, com fetos únicos a termo, entre abril de 2008 e abril de 2009. Este estudo demonstrou menor taxa de intervenções médicas no grupo de parto domiciliar planejado e maior mortalidade perinatal em nulíparas em partos domiciliares (OR 1,75 IC 95% 1,07-2,86). No entanto, as limitações do estudo podem ter minimizado os riscos dos partos domiciliares, o que pode ter ocultado importantes diferenças quanto ao local do parto. Nos Estados Unidos, os partos domiciliares planejados tiveram aumento significativo a partir de meados dos anos 2000. Vários estudos concluíram que, em comparação com partos hospitalares, os riscos absolutos e relativos de mortalidade e morbidade perinatal em partos domiciliares planejados nos EUA são significativamente maiores. Em estudo de Grünebaum et al. (2020), utilizando Registros de Nascimento e Óbito Infantil vinculados ao Controle de Doenças e Prevenção dos EUA para 2010–2017, verificaram a mortalidade neonatal para gestações únicas a termo, peso do recém-nascido >2.499g, nos partos domiciliares planejados e partos hospitalares. A mortalidade neonatal para partos hospitalares assistidos por obstetrizes nos EUA foi de 3,27 por 10.000 nascidos vivos, 13,66 por 10.000 nascidos vivos para todos os partos domiciliares planejados e 27,98 por 10.000 nascidos vivos para partos domiciliares não intencionais/não planejados. Partos domiciliares planejados tiveram um risco de mortalidade neonatal relativo e absoluto significativamente elevado em comparação com partos hospitalares.

 

Em 2021, o Ministério da Saúde do Brasil emitiu a Nota Técnica (Nº 2/2021-CGCIVI/DAPES/SAPS/MS)sobre o tema, baseando-se no eixo da garantia da segurança no cuidado materno-infantil, desaconselhando o parto domiciliar, no contexto brasileiro. Neste sentido, recomenda-se que todas as gestantes recebam orientações sobre os riscos relacionados ao parto em ambiente domiciliar. No entanto, a nota técnica pontua que é necessária a ampliação, a organização e qualificação, tanto das estruturas físicas quanto dos processos de trabalho, para garantir que o parto hospitalar possa ser seguro, respeitoso e venha a tornar-se uma experiência positiva para a vida das mulheres e de sua família. Gestantes de risco habitual devem ser informadas que o planejamento do parto no domicílio não é recomendado, tendo em vista o maior risco de mortalidade perinatal.

 

Respeitando a decisão judicial, do TRF, de 2014, que anulou as resoluções CREMERJ nº 265/2012 e nº 266/2012, fundamentando sua impugnação por ter o CREMERJ à época avançado em regulação de atividades profissionais que não estão sob seu escopo, tais como: obstetrizes e parteiras e que foi aberta pelo COREN-RJ. A atual redação não interfere em nada nas ações de outras profissões no parto domiciliar, embora nós entendamos que esta é uma modalidade de parto extremamente insegura. Muitas evidências surgiram desde então, atestando o risco aumentado a esta modalidade de parto e, atualmente, todas as normativas do Ministério da Saúde são contrárias ao parto domiciliar.

RAPHAEL CAMARA MEDEIROS PARENTE

CONSELHEIRO-RELATOR

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

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Não existem anexos para esta legislação.


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