
RESOLUÇÃO CFM Nº 2.325, DE 13 DE OUTUBRO DE 2022
(Publicado do D.O.U. de 04 de novembro de 2022, Seção I, p.144)
Define e disciplina o uso de tecnologias de comunicação na avaliação médico pericial.
O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM), no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, alterado pelo Decreto nº 10.911, de 22 de dezembro de 2021, Lei nº 12.842, de 10 de julho de 2013, e Decreto nº 8.516, de 10 de setembro de 2015, e
CONSIDERANDO que cabe ao Conselho Federal de Medicina (CFM) disciplinar o exercício profissional médico e zelar pela boa prática médica no país;
CONSIDERANDO que a Lei nº 12.842/2013 estabelece que a perícia médica é um ato privativo do médico;
CONSIDERANDO o disposto contido na no capítulo XI, artigo 92-98 do Código de Ética Médica;
CONSIDERANDO o disposto contido na Resolução CFM nº 2.314/2022, que disciplina o uso da telemedicina no Brasil;
CONSIDERANDO o disposto contido na Resolução CFM nº 2.056/2013, que traz em anexo o roteiro a ser seguido pelo médico perito para a confecção do laudo pericial;
CONSIDERANDO o disposto contido na Resolução CFM nº 1.638/2002, que define prontuário médico e o disposto na Resolução CFM nº 1.821/2007, que aprova as normas técnicas concernentes à digitalização e uso dos sistemas informatizados para a guarda e o manuseio dos documentos dos prontuários dos pacientes;
CONSIDERANDO o decidido na sessão plenária de 13 de outubro de 2022, realizada em Brasília, resolve:
Art. 1º Compreende-se como avaliação médico pericial qualquer atividade que se utiliza da metodologia médico-legal e pericial para confecção de laudos, pareceres e notas técnicas com objetivo médico-legal, independentemente do âmbito administrativo, judicial ou particular.
§ 1º A Perícia Médica é, em sentido amplo, todo e qualquer ato propedêutico com formulação de diagnósticos, utilizando conhecimentos médicos, feito por médico e com a finalidade de contribuir com as autoridades administrativas, policiais ou judiciárias na formação de juízos a que estão obrigados em busca da primazia da verdade.
§ 2º Não existe uma relação médico-paciente clássica no ato médico pericial, sendo o perito compromissado com os princípios éticos da imparcialidade, do respeito à pessoa, da veracidade, da objetividade e da qualificação profissional.
§ 3º A anamnese clínica, o exame físico e mental, a avaliação dos exames complementares e demais documentos médicos, utilizando metodologia específica e com consequente elaboração de laudo pericial conclusivo, são etapas que integram o ato médico pericial.
Art. 2º O uso da telemedicina para realização de avaliações periciais é de caráter excepcional, podendo ser utilizada em situações específicas e pontuais, conforme descritas nos parágrafos abaixo.
§ 1º No caso de morte do periciando;
§ 2º A perícia indireta ou documental pode se referir apenas a objeto que NÃO envolva:
I) a avaliação de dano pessoal;
II) as capacidades (incluindo a laborativa);
III) a invalidez ou que seja de natureza médico legal.
§ 3º As juntas médicas periciais, desde que pelo menos um dos médicos esteja presencialmente com o periciando, que deve realizar o exame físico e o descrever aos demais participantes.
§ 4º A Prova Técnica Simplificada (PTS) quando for de inquirição simples de menor complexidade e sem manifestação sobre fato referente à avaliação de dano pessoal (físico ou mental), capacidades (incluindo laborativa), nexo causal ou definição de diagnóstico ou prognóstico.
Art. 3º A análise de conformidade de documentos médicos por meio de recursos tecnológicos não caracteriza perícia médica uma vez que não há parecer médico conclusivo, mas apenas verificação de verossimilhança das informações.
Art. 4º Os exames médico legais de natureza criminal e as perícias para avaliação de dano funcional e/ou estabelecimento de nexo causal, realizadas pelo médico do trabalho dentro de suas atribuições, devem ser realizados sempre de forma presencial.
Art. 5º Quando contempladas as situações contidas no artigo segundo dessa resolução, o Laudo Pericial e/ou Parecer Técnico deve conter as seguintes informações:
I) a identificação das partes e dos profissionais participantes do ato médico pericial que foi produzido de forma remota;
II) o registro da data e hora do início e do encerramento do ato pericial;
III) o esclarecimento que essa modalidade de perícia médica tem limitações técnicas que devem ser consideradas pelas partes envolvidas e pelos destinatários da prova;
IV) termo de consentimento livre esclarecido assinado pelo periciando.
Art. 6º As pessoas jurídicas que prestarem serviços de perícia médica por telemedicina, plataformas de comunicação e arquivamento de dados deverão ter sede estabelecida em território brasileiro e estarem inscritas no Conselho Regional de Medicina do Estado onde estão sediadas, com a respectiva responsabilidade técnica de médico com especialidade registrada (RQE) em Medicina Legal e Perícia Médica regularmente inscrita no Conselho.
§ 1º No caso de o prestador ser pessoa física, deverá ser médico devidamente inscrito no Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e informar a entidade sua opção de uso de telemedicina.
§ 2º A apuração de eventual infração ética a esta resolução será feita pelo CRM de jurisdição do paciente e julgada no CRM de jurisdição do médico responsável.
Art. 7º Quanto à responsabilidade médica e à área de fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina, deve sempre ser considerado o local onde está o periciando ou subsidiariamente, caso seja indireta, no estado onde a demanda é avaliada/julgada.
Art. 8º Revogar o parágrafo 8º do artigo 2º da Resolução CFM nº 1948/2010, publicada no D.O.U. de 6 de julho de 2010, seção I, p. 85.
Art. 9º Esta resolução entra em vigor 30 dias após sua publicação.
JOSÉ HIRAN DA SILVA GALLO
Presidente do Conselho
DILZA TERESINHA AMBRÓS RIBEIRO
Secretária-geral
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA RESOLUÇÃO CFM Nº 2.325/2022
A construção do instrumento que fundamenta a Prova Científica é de grande complexidade por transformar o fenômeno biológico e/ou científico em discurso destinado a terceiros (quem julga em sentido amplo), estabelecer a causalidade, gerando as devidas inferências, e fundamentar a certeza no julgar, exigindo de per si a possibilidade de gerar convicção no julgador. Diante da importância da prova técnica, esta deve ser realizada com a busca incessante da primazia da verdade.
A Perícia Médica é, em sentido amplo, todo e qualquer ato propedêutico com formulação de diagnóstico feito por médico e que tenha por finalidade de contribuir com as autoridades administrativas, policiais ou judiciárias na formação de juízos a que estão obrigados em busca da primazia da verdade. O corpo humano é o local no qual se explora e se busca as evidências que fundamentam a prova pericial. Nessa exploração é necessário, além da simples visualização de lesões e sinais, a ausculta, avaliação dinâmica, palpação e percussão, que em geral se somam e potencializam o raciocínio técnico-médico-pericial. Diante disso, a prova pericial que utiliza recursos tecnológicos que não permitam toda a exploração necessária gera uma prova nem sempre fidedigna. A Medicina Legal e Perícia Médica (MLPM) é uma especialidade médica reconhecida pela Resolução CFM nº 2.221/2018, cujas características são calcadas na relevância e demanda social, complexidade técnica, atitudinal e principalmente pelo método próprio, sem uma relação direta com outras especialidades médicas. Nesse conjunto de características próprias e especiais, no qual não existe uma relação médico paciente clássica no ato médico pericial, o perito deve estar compromissado com os princípios éticos da imparcialidade, da obrigatoriedade de vinculação à primazia da verdade e a conceitos legais do respeito à pessoa, da veracidade, da objetividade e da qualificação profissional. Os médicos assistentes técnicos estão submetidos aos mesmos princípios, com ênfase ao da veracidade. Não há relação médico-paciente como no ato médico tradicional no qual se busca a promoção de saúde. O próprio CEM, no artigo93, veda aos médicos serem peritos ou auditores do próprio paciente, de pessoa de sua família ou de qualquer outra com a qual tenha relações capazes de influir em seu trabalho ou de empresa em que atue ou tenha atuado.
A anamnese clínica, o exame físico, a avaliação dos exames complementares e demais documentos médicos, utilizando metodologia específica e com consequente elaboração de laudo pericial conclusivo, são etapas incorrompíveis e indissociáveis do ato médico pericial.
A atividade do médico especialista em Medicina Legal e Perícia Médica se dá no âmbito do Direito Penal, Civil, Previdenciário/Administrativo/Securitário, dentre outros, com todas as particularidades que envolvem as perícias nessas diversas áreas.
No âmbito do Direito Penal, as perícias médicas para definições de tipos penais requerem uma série de avaliações das características das lesões corporais, como forma, tamanho, relevo, textura, cor, repercussões funcionais, deformidades, sem contar a avaliação de debilidade/perda de membro, sentido ou função, bem como no exame do cadáver outros detalhes, como o tipo de ferimento que levou ao óbito –detalhes que só podem ser aferidos com grau de confiabilidade no exame in loco.No âmbito do Direito Civil, além das avaliações das características das lesões corporais, é necessária uma minuciosa avaliação das repercussões funcionais, as quais requerem sobremaneira o exame presencial.
No âmbito do Direito do Trabalho, o exame presencial é de importância fundamental em razão da necessidade de exame acurado de testes físicos para se avaliar a existência ou não de nexo causal entre o trabalho e o alegado agravo à saúde, assim como é de suma importância a vistoria de local para uma perícia trabalhista. Isso se dá em relação às perícias previdenciárias e administrativas, por todos os motivos alegados acima, e que, de nenhuma maneira, a transmissão a distância supre o contato físico entre o perito e o periciando.
A telemedicina foi originalmente criada como uma forma de atender pacientes situados em locais remotos, longe das instituições de saúde ou em áreas com escassez de profissionais médicos.Ela ainda é usada para resolver esses tipos de problemas ao mesmo tempo em que se torna uma ferramenta cada vez mais comum para os cuidados médicos, impulsionada principalmente pela pandemia da covid19.
A despeito das consequências positivas da telemedicina, existem muitos preceitos éticos e legais que precisam ser assegurados posto que essa modalidade técnica não permite por completo a busca da primazia da verdade, por não proporcionar o ato propedêutico completo e necessário a produção da prova técnica. A distância, o perito estará mais sujeito a equívocos devido a atos de simulação, metassimulação e dissimulação –os quais não se consegue evidenciar sem um exame presencial, com técnicas específicas e semiológicas para sua detecção.
Considera-se também que a MLPM não é atenção, promoção e assistência à saúde. Serviços de Saúde são estabelecimentos destinados a promover a saúde do indivíduo, protegê-lo de doenças e agravos, prevenir e limitar os danos a ele causados e reabilitá-lo quando sua capacidade física, psíquica ou social for afetada. Assim, não se aplica a perícia médica através da telemedicina o disposto contido na Lei nº8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como a organização e o funcionamento dos serviços. Existem outras peculiaridades nessa especialidade que precisam ser compreendidas, como a relação de desconfiança natural entre o perito e o periciando.
É dever deste Conselho assegurar que os profissionais que militam na área da medicina legal e perícia médica, do poder judiciário e legislativo tenham segurança para a realização da prova técnica e sua interpretação. Uma perícia médica que não demonstre a verdade dos fatos tem repercussões m vários níveis de nossa sociedade, gerando muitas vezes direitos pecuniários, pessoais e restrições de liberdade baseados em uma prova técnica médica.
A manifestação médica pericial acerca de modalidades de dano pessoal, capacidade e invalidez só pode ser concluída após o exame pericial completo, ou seja, anamnese pericial, avaliação física presencial e análise de exames complementares.
Diante disso, é necessário que a perícia médica por telemedicina seja, no caso dessa especialidade, excepcional e vinculada a situações pontuais que não estabeleçam o comprometimento da prova técnica a ser apreciada. Importante ressaltar que, se por um lado, a motivação dos atos periciais não seja do próprio médico, o destinatário dessa prova deve ter segurança de que se trata de uma prova real e segura. Atalhos quanto a isso apenas servem a uma das partes, acabando com a robustez da prova técnica em prol de um objetivo nem sempre de ajuda social.
Pelo exposto, é de fundamental importância que o CFM regulamente e normatize o uso da telemedicina na especialidade MLPM, estabelecendo por resolução as condições éticas que obrigatoriamente devem ser obedecidas pelos profissionais, diretores técnicos e demais envolvidos com provas técnicas.
ALCINDO CERCI NETO
Conselheiro-relator
Não existem anexos para esta legislação.
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