
PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 5.157/96
PC/CFM/Nº 26/98
INTERESSADO: Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará
ASSUNTO : Qualidade da assistência ao parto
RELATOR: Cons. Edilberto Parigot de Souza Filho
RELATOR DE VISTA : Cons. José Abelardo Garcia de Meneses
EMENTA: É desejável que o trabalho de parto seja acompanhado de todo o aparato tecnológico, com respaldo científico para a sua indicação. A assistência ao parto normal sob analgesia deve ser estimulada no seio da comunidade brasileira, visando a humanização da via natural para o nascimento, resguardada a vontade da parturiente. A previsão de auxiliar nos partos normais deve ser resultante de indicação médica. Cesariana feita por apenas um cirurgião é um ato imprudente e negligente, que merece o devido reparo.
DA CONSULTA
O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará e conselheiro do CFM, Lino Antônio Cavalcanti Holanda, através do OF. CREMEC 261/96, encaminhou a este egrégio Conselho Federal de Medicina consulta originária da Sociedade Cearense de Ginecologia e Obstetrícia, sobre os seguintes pontos, in verbis:
"1- A falta de condições de monitorização do trabalho de parto, visando detectar o sofrimento fetal em momento oportuno, o que se verifica em todas as maternidades privadas do nosso estado. A referida monitorização pode ser realizada pela cardiotocografia intraparto e/ou pHmetria do couro cabeludo fetal. Assim agindo, reduziríamos significativamente a asfixia intraparto e óbito fetal, bem como o elevado índice de cesariana;
2- O não-pagamento do procedimento anestésico (analgesia do parto) na assistência ao parto normal por parte dos planos de saúde, o que contraria a orientação geral de humanização do parto, bem como contribui para a elevação do índice do parto abdominal;
3- A realização de cirurgia cesariana apenas pelo obstetra, sem a presença de um auxiliar, o que se verifica em praticamente todas as maternidades conveniadas pelo SUS, expondo o colega ao erro e a paciente a maior risco de vida;
4- O não-pagamento do 1º auxiliar na assistência ao parto vaginal por parte dos planos de saúde, conforme prevê a LPM, o que, certamente, reduziria o risco de erro médico, propiciando adequada revisão do canal parturitivo".
PARECER
Adoto, em parte, o parecer da lavra do eminente conselheiro desta casa, Edilberto Parigot de Souza Filho, inclusive com as modificações propostas na reunião plenária de 28 de agosto de 1998, aceitas pelo parecerista, e que trago sublinhado no devido tempo:
1- A falta de condições de monitorização do trabalho de parto, visando detectar o sofrimento fetal em momento oportuno, o que se verifica em todas as maternidades privadas do nosso estado. A referida monitorização pode ser realizada pela cardiotocografia intra-parto e/ou pHmetria do couro cabeludo fetal. Assim agindo, reduziríamos significativamente a asfixia intra-parto e óbito fetal, bem como o elevado índice de cesariana.
"No limiar do terceiro milênio é plenamente justificável a preocupação da sociedade Cearense de Ginecologia e Obstetrícia com a qualidade de assistência ao parto, carente de recursos tecnológicos na maioria das maternidades do seu Estado. Aliás esse fato é observado em elevado porcentual dos Estados brasileiros.
Os profissionais da área da saúde estão sempre expostos aos riscos da especialidade que, ocasionalmente, levam a resultados desfavoráveis, mal interpretados pelos leigos e, muitas vezes, distorcidos intencionalmente, visando PEP’s e/ou ações judiciais que denigrem sua reputação, com conseqüências desastrosas. Daí o interesse em cercar-se de todos os recursos propedêuticos e terapêuticos para evitar imprevistos: a ultra-sonografia seriada na gestação de risco, a doppler-fluxometria, a cardiotocografia basal e estimulada à suspeita de sofrimento fetal, biópsia de vilo e aminiocentese genética nas gestantes de mais de 35 anos, a cordocentese em problemas sistêmicos do feto, as cesáreas precipitadas, etc. Portanto, de um lado a sofisticação de métodos de avaliação da gestante e do feto, que tem propiciado significativos avanços de caráter diagnóstico e terapêutico, reduzindo de modo efetivo as taxas de mortalidade materna, fetal, neo-natal e peri-natal, inclusive, as seqüelas decorrentes do período pré-natal. Realmente, uma medicina de primeiro mundo, que todos nós gostaríamos de praticar. Não obstante, no extremo oposto, são observadas e vivenciadas as deficiências do Estado indigente, com hospitais sucateados, em condições precárias de atendimento ao público e ínfimas perspectivas de aprimoramento infra-estrutural para oferecerem um mínimo de qualidade de nível assistencial.
Os profissionais da especialidade tem publicado inúmeros trabalhos abordando o assunto: alguns amplamente favoráveis à ampla utilização da nova tecnologia, enquanto outros ainda defendem o aprofundamento da avaliação clínica fetal no anteparto, selecionando os casos para cardiotocografia e outros exames, evitando a sobrecarga de custos com métodos mais sofisticados, o que, sob o aspecto logístico da saúde pública, justifica-se plenamente. Mesmo assim, está havendo interesse do Governo Federal em aprimorar não só a assistência ao parto, mas ampliar a sua ação através do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher-PAISM. Dentro deste programa o Ministério da Saúde publicou, em 1991, o manual técnico "GESTAÇÃO DE ALTO RISCO" abordando todos procedimentos pertinentes, como Intercorrências obstétricas, Intercorrências clínicas, avaliação da vitalidade, crescimento e maturidade fetal e antecipação eletiva do parto. Também é apresentado um quadro de "Organização da Assistência Perinatal Segundo Riscos", com nível de Assistência e Fluxograma Assistencial, prevendo o sistema de REFERÊNCIA que, se realmente implantado poderia trazer reais soluções para o problema, a nível nacional.
Como sabemos que em nosso País as palavras antecedem – e muito – a ação, a análise do problema deve ser aprofundada em estudos e elaboração de trabalhos pertinentes (e aí estaria a grande oportunidade de participação das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia) em todos os Estados, que possam servir como argumentos para pressionar os governos, objetivando, inicialmente, a implantação de Centros de Referência nas diversas unidades da Federação, nos moldes do "Manifesto do Primeiro Encontro Regional de Medicina Fetal" – Maceió-AL-1992, que preconizou "Centros de Medicina Fetal de Referência" para cada 5 milhões de habitantes e, em Estados cuja população não atinja esta cifra, pelo menos um Centro Regional.
Obviamente, não vislumbramos a pretensão de uso rotineiro da cardiotocografia o que, aliás, na opinião de Kubli, de Heidelberg, poderia até levar a iatrogenismo, se houver má interpretação de traçados. Mas, a indicação precisa de rastreamento da vitalidade fetal pela cardiotocografia, naqueles casos em que o minucioso e bem sistematizado exame clínico, com ausculta pelo sonar Dopller, não permitiu evidenciar resposta cardíaca satisfatória, inclusive complementada por análise de pH e gasometria, nas suas precisas indicações.
É claro que chegará o dia em que poderemos contar com a monitorização telemática da fcf e outras técnicas já de rotina.
Por enquanto, na expectativa do desenrolar dos acontecimentos, conforme o que expusemos quanto ao Ministério da Saúde e a possível colaboração das Sociedades de Ginecologia e Obstetrícia no País, somos de opinião que haverá necessidade de especialização de profissionais que irão habilitar-se na nova tecnologia a ser aplicada nos diversos Estados brasileiros, no momento oportuno, inclusive com atenção ao iatrogenismo ponderado por Kubli. O setor privado deverá evoluir de acordo com seus interesses e necessidades, naturalmente antecipando o setor público.
Quanto ao CFM, restará o compromisso de emprestar integral apoio a todas as iniciativas que visem atingir esses objetivos, ou mesmo tomar a iniciativa, como o fez no lançamento da campanha do parto normal."
2- O não pagamento do procedimento anestésico (analgesia do parto) na assistência ao parto normal por parte dos planos de saúde, o que contraria a orientação geral de humanização do parto, bem como contribui para a elevação, do índice do parto abdominal.
Naquela oportunidade assim se reportou o cons. Edilberto Parigot:
"No que pertine ao item 2, se nos parece que em relação aos procedimentos e seus respectivos honorários, cabe aos profissionais especialistas estudar a viabilidade dos mesmos, dentro de padrões éticos, segundo critérios técnicos estabelecidos pelo corpo clínico das instituições hospitalares e/ou sociedades da especialidade, que deverão ser considerados nos convênios com as empresas de saúde."
Verdadeiramente, são tão raros hoje os agentes remuneradores que se opõem à realização de analgesia para parto normal, em face dos progressos que a técnica tem apresentado, que entendo ser apenas um ou outro foco de resistência à utilização rotineira do parto natural humanizado.
Nesta questão há que ser respeitado apenas o direito à cidadania. Existem pessoas que por convicções próprias, especialmente os adeptos das práticas do naturismo, pretendem passar os momentos da parturição sob o manto da tradição milenar do parto via vaginal, optando por não utilizar os métodos artificiais de alívio da dor. Este é um direito que deve ser respeitado, do contrário pode ser configurada terapêutica arbitrária. Uma vez praticado o ato da analgesia, não encontra apoio a negativa da remuneração ao médico que a praticou.
3- A realização de cirurgia cesariana apenas pelo obstetra, sem a presença de um auxiliar, o que se verifica em praticamente todas as maternidades conveniadas pelo SUS, expondo o colega ao erro e a paciente ao maior risco de vida.
"Quanto ao item 3, nos reportamos à Resolução CFM nº 1.342/91, de 08.08.91, art. 2º, b, lembramos que o Diretor Técnico tem como atribuição:
"Assegurar condições técnicas de trabalho e os meios indispensáveis à prática médica, visando o melhor desempenho do Corpo Clínico e demais profissionais de saúde, em benefício da população usuária da instituição."
Complementando a informação do cons. Edilberto Parigot, tenho a lembrar o texto da recente Resolução n° 1.490/98, aprovada no Plenário deste CFM em 13 de fevereiro de 1998, que dispõe sobre os auxiliares de cirurgia.
"Art. 1º - A composição da equipe cirúrgica é da responsabilidade direta do cirurgião titular e deve ser composta exclusivamente por profissionais de saúde devidamente qualificados.
Art. 2º - É imprescindível que o cirurgião titular disponha de recursos humanos e técnicos mínimos satisfatórios para a segurança e eficácia do ato.
Art. 3º - É lícito o concurso de acadêmico de medicina na qualidade de auxiliar e de instrumentador cirúrgico em unidades devidamente credenciadas pelo seu aparelho formador e de profissional de enfermagem regularmente inscrito no Conselho de origem, na condição de instrumentador, podendo esse concurso ser estendido também aos estudantes de enfermagem.
Art. 4º - Deve ser observada a qualificação de um auxiliar médico, pelo cirurgião titular, visando ao eventual impedimento do titular durante o ato cirúrgico.
Art. 5º - O impedimento casual do titular não faz cessar sua responsabilidade pela escolha da equipe cirúrgica."
Não devemos legislar sobre a exceção, portanto creio cometer ilícito ético o médico que não lança mão dos meios necessários para uma adequada assistência ao paciente. Uma cirurgia feita por apenas um cirurgião é um ato imprudente e negligente, que merece o devido reparo.
4- O não pagamento do 1º auxiliar na assistência ao parto vaginal por parte dos planos de saúde conforme prevê a LPM, o que, certamente reduziria o risco de erro médico, propiciando adequada revisão do canal parturitivo.
"Os mesmos princípios são aplicáveis ao item 4. Não obstante, opinamos por um estudo mais aprofundado, dentro da especialidade, no sentido de que a equipe médica esteja em comum acordo na condução do procedimento em primigestas, secundigestas, etc., ficando estabelecidos critérios bem definidos quando da assinatura de convênios com os planos de saúde, como tem orientado a AMB."
Desta feita, entendo, que falta apenas argumentação no momento oportuno. Sofismar quanto à presença de obstetra auxiliar em parto normal de rotina não me convence. Sabemos que havendo indicação e descrição pormenorizada em prontuário, devem ser remunerados o obstetra e o seu auxiliar. Afinal, o médico deve ser remunerado por seu trabalho, exceto quando prestar assistência gratuita espontaneamente, momento em que exerce o seu mister amparado em convicções filosóficas, religiosas ou ideológicas, sem óbice ético.
Este é o parecer.
Brasília (DF), 1 de setembro de 1998
JOSÉ ABELARDO GARCIA DE MENESES
Conselheiro Relator de Vista
Parecer aprovado na Sessão Plenária do dia 09/09/98.
Não existem anexos para esta legislação.
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