
PARECER CFM Nº 7/10
PROCESSO-CONSULTA CFM Nº 4.439/09
INTERESSADO: W.W.N.D.
ASSUNTO: Obrigatoriedade da presença do médico na coordenação municipal do PSF
RELATOR: Cons. Edevard José de Araújo
RELATOR DE VISTA: Cons. Emmanuel Fortes Silveira Cavalcanti
EMENTA: Na Política Nacional de Atenção Básica, regulamentada pela Portaria GM/MS no 648/06, não há previsão em normativas do Ministério da Saúde para que a coordenação municipal do PSF seja exclusividade da profissão médica. Contudo, dispositivos legais obrigam a existência dos médicos, decorrentes da aplicação dos artigos 16, letras “a” e “i”, e 28 do Decreto-lei no 20.931/32.
DA CONSULTA
W.W.N.D. solicita ao CFM parecer a respeito "(...) da obrigatoriedade da presença do médico na coordenação municipal do PSF, haja vista que se trata de uma estratégia multidisciplinar, devendo cada categoria ter um representante de classe nos municípios maiores, com um grande número de equipes de PSF. Essa situação pode ser constatada aqui em nosso município, com cerca de 400 mil habitantes e 37 equipes de PSF, coordenadas quase que exclusivamente por enfermeiras".
DO PARECER
A Portaria no 648/06, do Ministério da Saúde, que organiza e disciplina o funcionamento orgânico da Política Nacional de Atenção Básica, determina a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa de Saúde da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (Pacs) ─ de fatídica memória, que teve dispositivos de seu conteúdo contestados pelo Conselho Federal de Medicina e acatados pela Justiça federal nos idos de sua publicação ─ e estabelece que o profissional de enfermagem comande os auxiliares e técnicos de enfermagem, bem como os agentes de Saúde da Família.
A respeito dessa portaria, o relatório da desembargadora Maria do Carmo (20.6.08) explicita:
“Este agravo regimental foi interposto pela União, da decisão de minha lavra, em que dei parcial provimento ao agravo interposto pelo Conselho Federal de Medicina – CFM, para suspender parcialmente a Portaria 648/2006, do Ministério da Saúde, tão-somente quanto à possibilidade de outros profissionais, que não sejam médicos legalmente habilitados para o exercício da medicina, realizarem diagnóstico clínico, prescreverem medicamentos, tratamentos médicos e requisição de exames”.
O fulcro do problema é que o Ministério da Saúde, como a Anvisa e outros similares do aparelho estatal, escreve as matérias desconsiderando solenemente as regras postas na legislação nacional, eliminando os fundamentos de hierarquia e responsabilidade objetiva e remissiva dos médicos ante o funcionamento das demandas relacionadas à medicina, quer na administração por inteiro dos estabelecimentos médicos quer no controle da execução dos programas de saúde pública definidos pela autoridade sanitária.
Essa desconsideração, que infringe regras estabelecidas em lei e as quais, mais do que ninguém, o ente público obriga-se a executar, é a razão de tantos conflitos de comando e prejuízo assistencial em linhas diretas e relacionais quando do diálogo intraequipes.
Para melhor entendimento, retiramos da Portaria no 648/06 os seguintes tópicos:
3 - DA INFRA-ESTRUTURA E DOS RECURSOS NECESSÁRIOS
É prevista a implantação da estratégia de Agentes Comunitários de Saúde nas Unidades Básicas de Saúde como uma possibilidade para a reorganização inicial da Atenção Básica. São itens necessários à organização da implantação dessa estratégia:
I - a existência de uma Unidade Básica de Saúde, inscrita no Cadastro Geral de estabelecimentos de saúde do Ministério da Saúde, de referência para os ACS e o enfermeiro supervisor;
II - a existência de um enfermeiro para até 30 ACS, o que constitui uma equipe de ACS;
III - o cumprimento da carga horária de 40 horas semanais dedicadas à equipe de ACS pelo enfermeiro supervisor e pelos ACS;
5.1. Da suspensão do repasse de recursos do PAB variável ─ O Ministério da Saúde suspenderá o repasse de recursos dos incentivos a equipes de Saúde da Família ou de Saúde Bucal ao município e/ou ao Distrito Federal, nos casos em que forem constatadas, por meio do monitoramento e/ou da supervisão direta do Ministério da Saúde ou da Secretaria Estadual de saúde ou por auditoria do DENASUS, alguma das seguintes situações:
I - inexistência de unidade de saúde cadastrada para o trabalho das equipes e/ou;
II - ausência de enfermeiro supervisor por período superior a 90 (noventa) dias, com exceção dos períodos em que a legislação eleitoral impede a contratação de profissionais, nos quais será considerada irregular a ausência de profissional por e/ou;
2 - SÃO ATRIBUIÇÕES ESPECÍFICAS
Do Enfermeiro do Programa Agentes Comunitários de Saúde:
I - planejar, gerenciar, coordenar e avaliar as ações desenvolvidas pelos ACS;
II - supervisionar, coordenar e realizar atividades de qualificação e educação permanente dos ACS, com vistas ao desempenho de suas funções;
III - facilitar a relação entre os profissionais da Unidade Básica de Saúde e ACS, contribuindo para a organização da demanda referenciada;
IV - realizar consultas e procedimentos de enfermagem na Unidade Básica de Saúde e, quando necessário, no domicílio e na comunidade;
V - solicitar exames complementares e prescrever medicações, conforme protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão;
VI - organizar e coordenar grupos específicos de indivíduos e famílias em situação de risco da área de atuação dos ACS; e
VII - participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado funcionamento da UBS.
Do Enfermeiro:
I - realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) aos indivíduos e famílias na USF e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.), em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade;
II - conforme protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão, realizar consulta de enfermagem, solicitar exames complementares e prescrever medicações;
Do Médico:
I - realizar assistência integral (promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da saúde) aos indivíduos e famílias em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade;
II - realizar consultas clínicas e procedimentos na USF e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.);
III - realizar atividades de demanda espontânea e programada em clínica médica, pediatria, gineco-obstetrícia, cirurgias ambulatoriais, pequenas urgências clínico-cirúrgicas e procedimentos para fins de diagnósticos;
IV - encaminhar, quando necessário, usuários a serviços de média e alta complexidade, respeitando fluxos de referência e contra-referência locais, mantendo sua responsabilidade pelo acompanhamento do plano terapêutico do usuário, proposto pela referência;
V - indicar a necessidade de internação hospitalar ou domiciliar, mantendo a responsabilização pelo acompanhamento do usuário;
VI - contribuir e participar das atividades de Educação Permanente dos ACS, Auxiliares de Enfermagem, ACD e THD; e
VII - participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado funcionamento da USF.
Do Auxiliar e do Técnico de Enfermagem:
I - participar das atividades de assistência básica realizando procedimentos regulamentados no exercício de sua profissão na USF e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc.);
II - realizar ações de educação em saúde a grupos específicos e a famílias em situação de risco, conforme planejamento da equipe; e
III - participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado funcionamento da USF.
Quanto à relação médicos/enfermeiros, define e confere competências aos profissionais de enfermagem semelhantes às dos médicos, como visto acima, portanto, sem a hierarquia determinada no Decreto-lei no 20.931/32 em seus artigos 16 letras “a” e “i” e do 24 ao 29, notadamente o 28, que explicitam:
Art. 16 - É vedado ao médico:
a) ter consultório comum com indivíduo que exerça ilegalmente a medicina;
i) assumir a responsabilidade de tratamento médico dirigido por quem não for legalmente habilitado;
Art. 28 Nenhum estabelecimento de hospitalização ou de assistência médica pública ou privada poderá funcionar, em qualquer ponto do território nacional, sem ter um diretor técnico e principal responsável, habilitado para o exercício da medicina nos termos do regulamento sanitário federal.
No requerimento de licença para seu funcionamento deverá o diretor técnico do estabelecimento enviar à autoridade sanitária competente a relação dos profissionais que nele trabalham, comunicando-lhe as alterações que forem ocorrendo no seu quadro.
Por sua vez, a Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986, que regulamenta o exercício da enfermagem, destaca:
Art. 11. O Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe:
I - privativamente:
a) direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública e privada, e chefia de serviço e de unidade de enfermagem;
b) organização e direção dos serviços de enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços;
Uma tímida intervenção neste conflito aparece na Portaria no 1.625/07, que altera os artigos acima citados, reescrevendo suas atribuições, mas ainda de forma não clara, explícita, contundente como a lei prevê.
Artigo 1º
Do Enfermeiro
I – realizar assistência integral às pessoas e famílias na USF e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários.
II – realizar consultas de enfermagem, solicitar exames complementares e prescrever medicações, observadas as disposições legais da profissão e conforme os protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, os gestores estaduais, os municipais ou os do Distrito Federal.
Do Médico
VIII – compete ao médico acompanhar a execução dos Protocolos, devendo modificar a rotina médica, desde que existam indicações clínicas e evidências científicas para tanto;
“IX – na eventualidade da revisão dos Protocolos ou da criação de novos Protocolos, os Conselhos Federais de Medicina e Enfermagem e outros Conselhos, quando necessário, deverão participar também da sua elaboração”.
DO VOTO
Na realidade, há flagrante desrespeito à lei porque aos enfermeiros é atribuído o comando das equipes de enfermagem e agentes de Saúde da Família, como estabelece a portaria, mas quando se trata de definir o comando de toda a equipe, das unidades assistenciais e da execução dos programas de saúde pública omite o comando do médico como responsável, e isso lhe é cobrado pela sociedade, pelos órgãos controladores de classe e pela Justiça.
Como as leis em vigor foram construídas em períodos onde outros valores vigiam, não restam dúvidas de que, agora, devem ser interpretadas à luz da contemporaneidade, qual seja, na construção das responsabilidades das estruturas administrativas das três instâncias de governo ─ federal, estadual e municipal ─ é obrigatória a presença de médico em posto-chave de comando para responder pela organização do sistema e seus resultados, bem como administrar os estabelecimentos e as diversas equipes para que trabalhem em harmonia.
Diante do exposto, fica claro que as normativas ministeriais desconhecem solenemente o que estabelecem as leis pátrias e não definem o espaço que o médico deve ocupar para assegurar à população segurança na prática decorrente de seus atos privativos.
Desse modo, na Política Nacional de Atenção Básica, regulamentada pela Portaria GM/MS no 648, não há previsão em normativas do Ministério da Saúde para que a coordenação municipal do PSF seja exclusividade da profissão médica. Contudo, dispositivos legais obrigam a existência dos médicos, decorrentes da aplicação dos artigos 16 letras “a” e “i” e 28 do Decreto-lei no 20.931/32.
Recomendamos ao Conselho Federal de Medicina empenhar-se para fazer cumprir o disposto em lei para os profissionais de medicina.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília-DF, 5 de fevereiro de 2010
EDEVARD JOSÉ DE ARAÚJO
Conselheiro relator
EMMANUEL FORTES SILVEIRA CAVALCANTI
Conselheiro relator de vista
Não existem anexos para esta legislação.
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