
PARECER CREMERJ Nº 26/2021
PROCESSO PARECER CONSULTA Nº 14/2021
INTERESSADO: Dr. F. F. Z. (Protocolo: 10343507/2021)
ASSUNTO: Dispensação de medicamentos genéricos ou similares, por empresa de atendimento domiciliar, contendo o mesmo princípio ativo em detrimento da prescrição médica que indica marcas específicas.
RELATOR: Conselheiro Roberto de Castro Meirelles de Almeida.
EMENTA: Trata da possibilidade de dispensação de medicamentos genéricos ou similares, por parte de empresa de atendimento domiciliar, contendo determinado princípio ativo em detrimento da prescrição médica original que indica marcas específicas. Autonomia da prescrição médica deve ser respeitada. Vedação prevista no Código de Ética Médica.
DA CONSULTA:
O consulente, gestor de empresa especializada em atendimento domiciliar à pacientes de diversos planos de saúde, alega receber com frequência prescrições de médicos assistentes com indicação de determinados medicamentos de marcas específicas, com a justificativa de que possuiriam maior eficácia no tratamento dos pacientes. Afirma não existir previsão contratual para o fornecimento de marcas comerciais específicas, mas sim de substâncias/princípios ativos.
Exemplifica com a prescrição de médico psiquiatra, determinando o fornecimento de medicação de laboratório específico para o tratamento, devido à melhor resposta terapêutica, o que, em sua avaliação, fere a legislação vigente. Afirma ser frequente a recepção de prescrições semelhantes e solicita posicionamento oficial deste egrégio Conselho.
DO PARECER:
O atendimento domiciliar é fundamental para o adequado manejo dos pacientes desinstitucionalizados, controlando suas condições mórbidas e mantendo a qualidade de vida e interação familiar. É um campo em crescente expansão devido à transição demográfica observada em todo o mundo e em nosso país. A interação com médicos assistentes que já acompanham estes pacientes por muito tempo é salutar e necessária, compondo relação virtuosa que tem como objetivo precípuo o bem estar das pessoas e a prevenção e controle de intercorrências eventuais. Faz-se mister o respeito à adequada prescrição médica, pilar da boa prática da Medicina.
Passemos então à análise da legislação pertinente, a saber:
A Lei Nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999, que versa sobre a Vigilância Sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências, determina que:
Art. 3o As aquisições de medicamentos, sob qualquer modalidade de compra, e as prescrições médicas e odontológicas de medicamentos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS (grifo do relator), adotarão obrigatoriamente a Denominação Comum Brasileira (DCB) ou, na sua falta, a Denominação Comum Internacional (DCI). (BRASIL, 1999)
Atentem que a Lei versa sobre o sistema público de saúde, além de referências sobre laudos de qualidade, conformidade e preferência de compra quando apresentarem o mesmo preço. Já existem recomendações dos Ministérios Públicos Estaduais quanto à obediência desta norma por parte do poder executivo, conforme bibliografia anexa. A Denominação Comum Brasileira (DCB), conforme extraído de seu domínio eletrônico oficial, bem como as Resoluções da Diretoria Colegiada da ANVISA Nº 16, de 02 de março de 2007, e Nº 58, de 10 de outubro de 2014, nos apresentam todo o histórico, definições e legislações pertinentes ao tema medicamentos genéricos, similares e sua intercambialidade com os de marca.
Já o Manual de Medicamentos Controlados, editado por este Conselho em 2019 e disponível em seu domínio eletrônico, em sua página 6, item 2.4, elenca todos os dados obrigatórios que devem constar em receita médica.
O Manual de Orientações Básicas para Prescrição Médica do Conselho Federal de Medicina e CRM-PB, em sua 2ª edição de 2011, disponível em sítio eletrônico, também disponibiliza orientações sobre os diferentes tipos de receitas, identificação e grafia, bem como normativas referentes ao tema, já descritas em epígrafe. Chamo atenção ao descrito em sua seção 8, que dispõe sobre substituição de medicamentos:
Alteração da prescrição ou do tratamento médico
Ao receitar, o médico pode prescrever medicamento de referência ou autorizar sua substituição por um genérico ou outro.
Se entender que o medicamento de referência é insubstituível, deverá agregar à receita uma frase com os dizeres: “Não autorizo a substituição”. (CFM, 2011, grifo nosso)
Não existe disposição legal que expresse exatamente esses dizeres, importa apenas que externe sua vontade em não permitir a substituição do medicamento de referência por um genérico ou outro. Não se expressando, estará autorizando a substituição. Ocorrendo dúvidas sobre a substituição de medicamentos, é recomendável a comunicação com o médico prescritor.
Por sua vez, o Código de Ética Médica, em seu capítulo VII, dispõe que:
É vedado ao médico: [...]
Art. 52. Desrespeitar a prescrição ou tratamento de paciente, determinados por outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar imediatamente o fato ao médico responsável. [...] (CFM, 2018)
Por fim, nos embasamos no Parecer da Assessoria Jurídica do CREMERJ. Trata-se de parecer solicitado por uma empresa de Home Care, a respeito da legitimidade de um médico determinar o laboratório específico sobre a produção da medicação prescrita:
Inicialmente, é imprescindível a menção ao direito à autonomia do profissional médico, princípio fundamental tutelado pelo Código de Ética Médica, em seu Capítulo I:
[...]
VII- O médico exercerá sua profissão com autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços que contrariem os ditames de sua consciência ou a quem não deseje, excetuadas as situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando sua recusa possa trazer danos à saúde do paciente.[...] (CFM, 2018)
Nesse cenário, posto o caso em tela, cabe conjuntamente a menção do que configura o medicamento genérico, aquele que pode ser utilizado independente da origem de produção específica, caracterizado pelo Manual de Orientações Básicas para Prescrição Médica do CFM:
Medicamentos genéricos – são medicamentos copiados de um produto de referência, com o qual pretendem ser intercambiáveis. Passam por testes de bioequivalência e biodisponibilidade e contêm a mesma substância ativa, concentração de dose, esquema posológico, apresentação e efeito farmacológico. Trazem na embalagem a inscrição: “Medicamento Genérico – Lei 9.787/99”. (CFM, 2011)
Desse modo, a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) - Anvisa N°16, de 2 de março de 2007, que aprova o regulamento técnico para medicamentos genéricos, determina os critérios para a utilização ou dispensa da intercambialidade do medicamento, ou seja, utilizar-se de um fármaco similar de substâncias, procedimento terapêutico e eficácia análogas.
VI - Critérios para prescrição e dispensação de medicamentos genéricos.
1.3. No caso de o profissional prescritor decidir pela não-intercambialidade de sua prescrição, a manifestação deverá ser efetuada por item prescrito, de forma clara, legível e inequívoca, devendo ser feita de próprio punho, não sendo permitidas outras formas de impressão. (BRASIL, 2007)
Bem como, o estabelecido no mesmo dispositivo normativo: “2.1. Será permitida ao profissional farmacêutico a substituição do medicamento prescrito pelo medicamento genérico correspondente, salvo restrições expressas pelo profissional prescritor;” (BRASIL, 2007, grifo nosso)
Neste sentido, ante os regimentos supramencionados, resta claro que a prescrição de medicação é de responsabilidade do profissional médico regularmente habilitado, e por isso, fica a critério do prescritor a forma de indicar a medicação ao paciente, contando este com a possibilidade de formação de juízo sobre a existência de equidade entre as marcas comerciais de interesse.
Aduz-se, portanto, que o médico tem legitimidade para lançar mão de identificar a substância através da Denominação Comum Brasileira (DCB), e determinar um laboratório específico para a aquisição do medicamento, desde que atribua restrições expressas na receita.
CONCLUSÃO:
Após detalhada análise da legislação existente sobre o tema, composta majoritariamente por normas infralegais, entendemos que cabe o exercício do bom senso por parte de médicos assistentes e empresas prestadoras de serviços de saúde em domicílio, buscando a prescrição e o fornecimento de medicamentos eficazes e de adequado custo benefício, necessários ao tratamento de cada paciente de forma individualizada.
No caso de prescrição médica com a determinação expressa para a não substituição de marca comercial de fármaco e fabricante de referência, esta deve ser respeitada, visto que a não observação desta constitui infração ética.
Este é o parecer, S.M.J.
Rio de Janeiro, 05 de outubro de 2021.
Roberto de Castro Meirelles de Almeida
Conselheiro Relator do Parecer Consulta
Parecer aprovado na 356ª Sessão Plenária do Corpo de Conselheiros do CREMERJ, realizada em 05 de outubro de 2021.
Referências:
BRASIL. Lei nº 9.787, de 10 de fevereiro de 1999. Altera a Lei no 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispõe sobre a vigilância sanitária, estabelece o medicamento genérico, dispõe sobre a utilização de nomes genéricos em produtos farmacêuticos e dá outras providências. Diário Oficial da união: Seção 1, Brasília, DF, p. 01, 11 fev. 1999. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9787.htm Acesso em: 27 set. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada nº 16, de 02 de março de 2007. Aprova Regulamento Técnico para Medicamentos Genéricos. Diário Oficial da união: Seção 1, Brasília, DF, p. 29, 05 mar. 2007. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2007/rdc0016_02_03_2007.html Acesso em: 27 set. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução da Diretoria Colegiada nº 58, de 10 de outubro de 2014. Dispõe sobre as medidas a serem adotadas junto à Anvisa pelos titulares de registro de medicamentos para a intercambialidade de medicamentos similares com o medicamento de referência. Diário Oficial da união: Seção 1, Brasília, DF, p. 659, 13 out. 2014. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2014/rdc0058_10_10_2014.pdf Acesso em: 27 set. 2021.
BRASIL. Ministério da Saúde. Denominação Comum Brasileira (DCB). Denomina o fármaco ou princípio farmacologicamente ativo aprovada pelo órgão federal responsável pela vigilância sanitária. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/farmacopeia/dcb Acesso em: 27 set. 2021.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM); CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DA PARAIBA (CRM-PB). Manual de Orientações Básicas para Prescrição Médica. 2 ed. Brasília-DF: CFM, CRM-PB, 2011. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/cartilhaprescrimed2012.pdf Acesso em: 27 set. 2021.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (CREMERJ). Manual de Medicamentos Controlados. 2. ed. Rio de janeiro: CREMERJ, 2019. Disponível em: https://www.cremerj.org.br/publicacoesonline/193/2/ Acesso em: 27 set. 2021.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. Resolução CFM nº 2.217, de 27 de set. de 2018. Dispõe sobre o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União: Seção I, Brasília, DF, p. 179. 01 de Nov. 2018. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2217 Acesso em: 27 set. 2021.
Não existem anexos para esta legislação.
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