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PROCESSO PARECER CONSULTA Nº 08/2021

PARECER CREMERJ nº 17/2021

 

INTERESSADA: C.B.B. (Protocolo nº 10341886/2021)

ASSUNTO: Restrição da coleta de material para realização de exames em menor de idade desacompanhado.

RELATORES:Conselheiros Marcelo Veloso Peixoto e Benjamin Baptista de Almeida

 

 

EMENTA: Dispõe sobre a possibilidade de restrição da coleta de material em menor desacompanhado para realização de exames em laboratório de análises clínicas. Possibilidade de realização de exames nesse grupo quando foremrealizados por médicos. Incompetência do CRM para interferir em normas de funcionamento de laboratório de análises clínicas. Previsão no ordenamento jurídico para a não realização de exames em menores de idade desacompanhados, inclusive adolescentes, em face da incapacidade plena (menores de 16 anos) ou relativa (entre 16 e 18 anos) para o exercício dos atos da vida civil nas faixas etárias em questão.

 

DA CONSULTA:

A consulente solicita parecer ao CREMERJ para esclarecer episódio de recusa de atendimento, por parte do laboratório do hospital em que trabalha, de coleta de material em paciente menor de idade (17 anos) desacompanhada de responsável, para exame indicado ao acompanhamento de doença de base.A solicitante acrescenta que, pelo caráter de urgência, a coleta acabou sendo feita por médico e acatada pelo laboratório. 

 

DO PARECER:

Inicialmente, vejamos o previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), LeiFederal nº 8.069, de 13 de julho de 1990:

 

Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos,e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. [...]

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. [...]

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. (BRASIL, 1990, grifo nosso)

 

Somando-se à reflexão, o Código Civil Brasileiro, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, refere que:

 

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; [...] (BRASIL, 2002)

 

Assim, os menores de 16anos necessitam estar sempre acompanhados por um maior para a prática dos atos da vida civil, enquanto os maiores de 16 anos,por gozar de capacidade relativa,necessitam estar apenas assistidos.

 

Outro princípio que norteia essa discussão é o da primazia absoluta do interesse da criança, previsto no Art. 227 daConstituição Federal e reproduzido no Art 4º do ECA:

 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990, grifo nosso)

 

Baseada nesse princípio constitucional, a questão da possibilidade do menor ser atendido e submetido a exames e procedimentos médicos sem o acompanhamento do responsável vem sendo motivo de discussão ética, principalmente, na área da Medicina do Adolescente.    Lembramos, portanto, que o conceito de adolescenteinclui faixa etária de menores juridicamente considerados como absolutamente incapazes (12 a 16 anos).

 

Há entendimento majoritário na literatura médica do direito da criança em participar e opinar, conjuntamente com seu responsável, sobre o tratamento a que será submetida. Ao adolescente, deve ser garantido o direito de se consultar sem a presença do responsável, considerando que existem situações nas quaisele prefere expor ao médico questões que não sejam levadas ao conhecimento de seus responsáveis por diversas razões. O limite ético desse direito do adolescente está diretamente ligado ao seu nível de maturidade. Cabe ao médico avaliar esta capacidade,determinando se o adolescente menor tem discernimento suficiente para entender um diagnóstico e as formas de tratamentos dele decorrentes.

 

Quanto ao paciente menor incapaz (com idade inferior a 16 anos), a eventual capacidade de entender e opinar sobre sua doença e tratamento não se confunde com o direito desse menor de estar representado pelo seu responsável legal. O médico deve escutar o menor, podendo, inclusive, considerar sua opinião na decisão quanto à melhor conduta para o paciente. A decisão de guardar sigilo de dados da consulta pode ser considerada no caso do melhor interesse do menor, mas os responsáveis não podem ser excluídos de qualquer decisão que possa causar prejuízo irreparável e,principalmente, quando houver conduta médica invasiva. 

 

Em se tratandodo adolescente maior de 16 anos, a relação médico-paciente se torna mais independente e, caso o médico entenda que a participação do responsável poderá trazer prejuízo para o adolescente, esse pode ser afastado da decisão sobre o tratamento. A mesma situação se aplica à realização de consulta do adolescente sem a presença do responsável.No caso do adolescente que tem discernimento para entender o diagnóstico e compreender as consequências de eventual conduta, a consulta sem a presença do responsável não só é possível,como muitas vezes é desejável.   

 

O Parecer CFM nº 25, de 18 de setembro de 2013,que versa sobre atendimento de paciente menor desacompanhado, conclui:

 

1) Em casos de urgência/emergência o atendimento deve ser realizado, cuidando-se para garantir a maior segurança possível ao paciente. Após esta etapa, comunicar-se com os responsáveis o mais rápido possível;

2) Em pacientes pré-adolescentes, mas em condições de comparecimento espontâneo ao serviço, o atendimento poderá ser efetuado e, simultaneamente, estabelecido contato com os responsáveis;

3) Com relação aos pacientes adolescentes há o consenso internacional, reconhecido pela lei brasileira, de que entre os 12 e 18 anos estes já têm sua privacidade garantida,principalmente, se com mais de 14 anos e 11 meses, considerados maduros quanto ao entendimento e cumprimento das orientações recebidas;

4) Na faixa de 12 a 14 anos e 11 meses o atendimento pode ser efetuado, devendo, se necessário, comunicar os responsáveis. (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2013)

 

Em resumo, o que resta claroé que,para determinar como deve ser o atendimento do adolescente menor, além da faixa etária,devem ser consideradosseu nível de maturidade e seu discernimento para entender o que está sendo proposto. 


Quanto ao atendimento de menores de idade em situações de emergência, independentemente da presença ou não do responsável,a previsão encontra respaldo no próprio Código de Ética Médica que, em seu Art. 33, afirma que é vedado ao médico “
Deixar de atender paciente que procure seus cuidados profissionais em casos de urgência ou emergênciaquando não houver outro médico ou serviço médico em condições de fazê-lo.” (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018)

 

Da mesma forma, a possibilidade de atender o paciente menor de idade sem informar aos responsáveis, encontra respaldo no citado Código que, em seu Art. 74 veda “Revelar sigilo profissional relacionado a paciente criança ou adolescente, desde que estes tenham capacidade de discernimento, inclusive a seus pais ou representantes legais, salvo quando a nãorevelação possa acarretar dano ao paciente.”(CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2018)

 

Ressaltamos, novamente,que o regramento previsto na legislação supracitadatrata do atendimento médico e não confere especificamente ao profissionalda medicina o direito de realizar procedimentos em paciente menor de idade sem o consentimento do responsável.Todavia, é plausível considerar que esses mesmos princípios possam ser aplicados para exames realizados pelos médicos em seus pacientes, particularmente os de rotina, na própria consulta.Esses exames também poderiam, eventualmente, ser realizados na ausência do responsável.

 

No caso de pacientes absolutamente incapazes, a não comunicação do resultado do exame aos responsáveis pode ter consequências legais.A justificativa de não comunicar, baseada no direito do paciente ao sigilo precisa estar claramente embasada, com atenção especial àpossibilidade de prejuízo ao menor, quando, caso haja,os resultados devem ser sempre comunicados aos responsáveis.Além disso, os procedimentos de maior complexidade e risco precisam, necessariamente, da autorização do responsável legal. 

 

No entanto, o caso concreto se refere à situaçãodistinta:não se trata de questionamento à atuação do médico. A consulente questiona a recusa de laboratório de análises clínicasde coletar material em paciente menor de idade para realização de exame.No caso, tratava-se de exame de urgência e o laboratório estava localizado emunidade hospitalar, onde havia médico disponível para a coleta do material, comoacabou acontecendo.

 

O discutido acima, portanto, não se aplica ao caso concreto, visto que os Conselhos de Medicina não têm competência parainterferir na decisão dolaboratório de análises clínicasem realizarou nãocoleta de material em pacientes menores de idade. Essa normatização cabe ao órgão responsável pela gestão daquela atividade. É importante salientar que, a regra de incapacidade para prática de qualquer ato civil de pacientes menores de idade, aplica-se a todas as situações. A exceção aqui apresentada se refere, exclusivamente,à relação médico-paciente.

 

DA CONCLUSÃO:

Pelo exposto, o que encontra amparo na legislação é que opaciente adolescente menor de idade pode ser atendido por médico sem a presença do responsável legal, desde que tenha capacidade suficiente para compreender o que está sendo realizado. Cabe ao médico definir essa capacidade.Quanto ao questionamento do caso concreto, não cabe ao médico, nem é de competência ética ou administrativa do Conselho de Medicina,definirse pacientes menores de idade devem ou não ser atendidos em laboratório de análises clínicas quando desacompanhados de seu responsável legal.   

 

Este é o parecer, S.M.J.

 

Rio de Janeiro,27 de maio de 2021.

 

BENJAMIN BAPTISTA DE ALMEIDA

MARCELO VELOSO PEIXOTO

 

Conselheiros Relatores

 

 

 

 

 

Parecer aprovado na 327ª Sessão Plenária do Corpo de Conselheiros do CREMERJ, realizada em 27 de maio de 2021.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União: Brasília, DF, p. 13.563, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htmAcesso em: 15 abr. 2021.

 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, seção 1, Brasília, DF, p. 1-74, 11 jan. 2002. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm Acesso em: 15 abr. 2021.

 

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Parecer nº 25, de 18 de setembro de 2013. Trata do atendimento médico ao menor desacompanhado, tanto para consulta quanto para realização de exames e administração de medicação, deve obedecer à legislação vigente no país e aos preceitos éticos balizadores da profissão.Disponível:https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2013/25Acesso em: 15 abr. 2021.

 

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 2.217, de 27 de setembro de 2018. Dispõe sobre o Código de Ética Médica. Diário Oficial da União: Seção I, Brasília,DF, p. 179. 01 de Nov. 2018. Disponível em:https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2018/2217Acesso em: 15 abr. 2021.

 

CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Recomendação nº 01 de 12 de janeiro de 2020. Dispõe sobre o processo de obtenção de consentimento livre e esclarecido na assistência médica. Disponível: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/recomendacoes/BR/2016/1Acesso: 15 abr. 2021.


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