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PROCESSO PARECER CONSULTA Nº 05/2020

PARECER CREMERJ nº 04/2020

 

INTERESSADO: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

ASSUNTO: Sobre os riscos, diante da pandemia de COVID-19, de permanecerem recolhidos no Sistema Prisional os presos provisórios e definitivos que se encontram no grupo de risco para a doença.

RELATOR: Cons.º André Luís dos Santos Medeiros

 

EMENTA: O sistema carcerário no Estado do Estado do Rio de Janeiro apresenta indícios de vulnerabilidade à introdução e disseminação da COVID-19 entre os presos, inclusive entre aqueles no grupo de risco para a doença. Não é possível determinar, em virtude do caráter dinâmico da pandemia e da heterogeneidade do Sistema Prisional no Estado, se os riscos para os presos que se encontram no grupo de risco são maiores dentro ou fora dos presídios, devendo cada situação ser analisada individualmente.

 

 

DA CONSULTA

 

Trata-se de pedido de parecer solicitado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro sobre os riscos, diante da pandemia de COVID-19, de permanecerem recolhidos no Sistema Prisional os presos provisórios e definitivos que se encontram no grupo de risco para a doença.

 

DO PARECER 

 

Com a pandemia de SARS-Cov-2/COVID-19, como em outras pandemias de doenças infectocontagiosas, surgiu a legítima preocupação por parte das autoridades de que a população carcerária pudesse estar mais vulnerável à doença, por se tratar de população confinada.

Doenças infectocontagiosas transmitidas por aerossóis e/ou fômites e/ou contato com secreções das vias aéreas como a COVID-19 são transmitidas mais facilmente dentro das prisões, por conta do contato prolongado dentro do mesmo ambiente. Em Estudo de 2004, a taxa de incidência de tuberculose nas prisões do Estado do Rio de Janeiro foi 30 vezes superior à da população geral, o que pode ser um indicador da facilidade de transmissão da doença nesse ambiente1. Dessa forma, a adoção de medidas que evitem a entrada do vírus nesses ambientes confinados se mostra necessária.

O Censo do Sistema Prisional, realizado pelo Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário mostra que o Estado do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2020, contava com 18.367 detentos em regime fechado, 12.425 em regime semiaberto, 542 em regime aberto, 21.518 em regime provisório e 68 em medida de segurança2. Cerca de 840 têm idade igual ou superior a 60 anos de idade, sendo que 14 têm idade superior a 80 anos. Dessa forma, o percentual de presos vulneráveis por conta da idade é relativamente baixo, de menos de 2% da população carcerária. Cerca de 55% dos presos têm menos de 30 anos de idade.

Tal distribuição etária é muito diferente daquela encontrada na população brasileira e, considerando uma eventual contaminação de toda população carcerária, e com base nos percentuais de letalidade encontrados na literatura para COVID-19 em um cenário catastrófico como o da Itália3, o número de mortos seria de aproximadamente 130 presos em um universo de 52.895, ou seja 0,24%. Caso aqueles com 60 anos ou mais pudessem ser protegidos de forma a não serem infectados, o número de mortes cairia para cerca de 90, uma redução de aproximadamente 30%.

Os números acima são aproximados e não levam em consideração eventuais comorbidades apresentadas pela população carcerária, tampouco analisa a capacidade de efetivo tratamento dessa população no sistema de saúde Estadual. Um estudo de 2013 da FIOCRUZ, evidenciou que entre os problemas de saúde física apresentados pelos detentos destacam-se: os osteomusculares, como dores no pescoço, costas e coluna (76,7%), luxação de articulação (28,2%), bursite (22,9%), dor ciática (22,1%), artrite (15,9%), fratura óssea (15,3%), problemas de ossos e cartilagens (12,5%) e de músculos e tendões (15,7%); os do aparelho respiratório, como sinusite (55,6%), rinite alérgica (47%), bronquite crônica (15,6%), tuberculose (4,7%) e outras (11,9%); e doenças de pele4. Dessa forma, considerando a existência dessas comorbidades, poderia haver aumento da mortalidade dos detentos, não sendo possível determinar, com o conhecimento científico até o momento, em qual percentual.

A pesquisadora Alexandra Sánchez, do Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões (Gepesp/ENSP/Fiocruz) realizou uma pesquisa na qual encontrou taxa de mortalidade entre presos no Rio de Janeiro cinco vezes maior que a média nacional5. A pesquisa concluiu que, na maioria dos casos (83%), as mortes não estão relacionadas à violência, e sim a doenças (causas naturais) cujas mortes poderiam ter sido evitadas se tivessem sido diagnosticadas e tratadas oportunamente. Os resultados evidenciaram a baixa resolutividade dos serviços de saúde intramuros e a quase impossibilidade de atendimento em hospitais extramuros, mesmo para casos de maior complexidade e de urgência e emergência. De acordo com os dados, somente 0,8% dos óbitos ocorreram em hospitais da rede pública extramuros; 65% na UPA prisional e 24% na própria unidade prisional.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou um Manual com diversas recomendações para orientar o desenho e a implementação de planos adequados de preparação para prisões para lidar com a situação da pandemia COVID-19, de modo: i) a proteger a saúde e o bem-estar das pessoas detidas em prisões e outros locais fechados, daqueles que trabalham nesses locais, bem como dos visitantes; ii) reduzir o risco de surtos que poderiam colocar uma demanda considerável nos serviços de saúde em prisões e na comunidade; iii) reduzir a probabilidade da COVID-19 se espalhar dentro das prisões e outros locais de detenção, e desses locais para a comunidade; e iv) garantir que as necessidades das prisões e outros locais de detenção sejam consideradas na saúde nacional e local, quando do planejamento de emergência6.

No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), publicou a Recomendação no 62, de 17 de março de 2020, na qual recomenda, aos Tribunais e magistrados, a adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo coronavírus – Covid-19 no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo7. Por sua vez, a Portaria Interministerial 7, de 18 de março de 2020 dispõe sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública previstas na Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, no âmbito do Sistema Prisional8. Ambos os documentos se coadunam perfeitamente com o recomendado pela OMS, e se seguidos estritamente, podem minimizar o risco de introdução do vírus no ambiente carcerário.

Por outro lado, dados do Geopresídios, mantido pelo CNJ, mostra grande heterogeneidade nas condições dos presídios no Estado do Rio de Janeiro9. Dos 56 presídios analisados, apenas 2 apresentaram condições excelentes, sendo que 41 apresentaram condições ruins ou péssimas, o que certamente pode dificultar a adoção das medidas preventivas da disseminação do novo coronavírus entre os detentos.

No dia 15/04/2020, a Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP) emitiu nota comunicando o falecimento de um preso de 73 anos, do Instituto Penal Cândido Mendes, por COVID-1910. Segundo a nota, o apenado, que estava na unidade prisional desde o dia 21/03/2020, necessitou de atendimento hospitalar e foi encaminhado ao Pronto Socorro Geral Hamilton Agostinho, no Complexo de Gericinó, em Bangu, no 09/04/2020, quando apresentou quadro de hipertensão arterial. Ele foi medicado e liberado no mesmo dia. Não há informações sobre a fonte de contágio. O Instituto Penal Cândido Mendes é classificado como tendo condição ruim pelo sistema Geopresídios. O local abriga internos que cumprem regime fechado e têm idade superior a 60 anos, justamente a faixa etária mais vulnerável aos vírus.

A pandemia de COVID-19 no Estado do Rio de Janeiro já se encontra em nível de transmissão comunitária, considerada mais alarmante, uma vez que, neste caso, a transmissão do vírus é feita ao mesmo tempo por várias fontes não identificadas. A ausência de testagem em massa sem sombra de dúvidas leva à grande subnotificação dos casos. O número real de infectados é muito maior do que os notificados.

No caso de uma prisão sem casos de COVID-19, enquanto durasse essa condição, estaria o detento com menor risco de contágio do vírus preso do que solto, justamente por se encontrar numa situação de isolamento. A partir do momento que o vírus fosse introduzido no local, o risco dependeria da análise da unidade prisional, para verificar as reais possibilidades de identificação e isolamento dos casos em tempo hábil para evitar a disseminação entre todos os detentos, não sendo possível que a análise desse risco seja feita genericamente por este Conselho Regional de Medicina. Dessa forma, não é possível dizer que um apenado estaria mais seguro fora do sistema prisional.

 

CONCLUSÃO

O sistema carcerário no Estado do Estado do Rio de Janeiro apresenta indícios de vulnerabilidade à introdução e disseminação da COVID-19 entre os presos, inclusive entre aqueles no grupo de risco para a doença. Não é possível determinar, em virtude do caráter dinâmico da pandemia e da heterogeneidade do Sistema Prisional no Estado, se os riscos para os presos que se encontram no grupo de risco são maiores dentro ou fora dos presídios, devendo cada situação ser analisada individualmente.

Este é o Parecer, S.M.J.

 

                                                                                                            Rio de Janeiro, 30 de abril de 2020.

 

DR. ANDRÉ LUÍS DOS SANTOS MEDEIROS

Conselheiro Relator

 

 

Parecer Aprovado na 213ª Sessão Plenária do Corpo de Conselheiros do CREMERJ, realizada em 30 de abril de 2020.

 

 

REFERÊNCIAS:

 

1.            SANCHEZ, Alexandra Roma et. al. A tuberculose nas prisões do Rio de Janeiro, Brasil: uma urgência de saúde pública. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 545-552, Mar.  2007.   Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2007000300013&lng=en&nrm=iso. Acesso em: abr.  2020.  https://doi.org/10.1590/S0102-311X2007000300013

 

2.            GRUPO DE MONITORAMENTO E FISCALIZAÇÃO DO SISTEMA CARCERÁRIO. Censo do Sistema Prisional.  Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: http://gmf.tjrj.jus.br/censo-sistema-prisional Acesso em: abr. 2020.

 

3.            Onder , G.;  Rezza, G.; Brusaferro,  S. Case-Fatality Rate and Characteristics of Patients Dying in Relation to COVID-19 in Italy. JAMA. Published online March 23, 2020. doi:10.1001/jama.2020.4683

 

    4.            MINAYO, Maria Cecília de Souza; RIBEIRO, Adalgisa Peixoto. Condições de saúde dos presos do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 21, n. 7, p. 2031-2040,  Jul.  2016. Disponível em:  http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000702031&lng=en&nrm=iso. Acesso em:  abr.  2020.  https://doi.org/10.1590/1413-81232015217.08552016

 

  5.            FIOCRUZ. ESCOLA NACIONAL DE SAÚDE SÉRGIO AROUCA. Informe: Taxa de mortalidade entre presos no Rio de Janeiro é cinco vezes maior que a média nacional. 25 abr. 2019. Disponível em: http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/45983 Acesso em: abr. 2020.

 

6.            WORD HEALTH ORGANIZATION. Preparedness, prevention and control of COVID-19 in prisons and other places of detention: Interim guidance. Copenhagen, Denmark: WHO, 2020. Disponível em: http://www.euro.who.int/__data/assets/pdf_file/0019/434026/Preparedness-prevention-and-control-of-COVID-19-in-prisons.pdf?dm_i=21A8,6SM73,FLWT3F,R7PLZ,1 Acesso em: abr. 2020

 

7.            CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação 62, de 17 de março de 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/62-Recomenda%C3%A7%C3%A3o.pdf Acesso em: abr. 2020.

                 

8.            BRASIL. Portaria Interministerial nº 7 de 18 de março de 2020. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, 17 mar. 2020. Disponível em: http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-interministerial-n-7-de-18-de-marco-de-2020-248641861 Acesso em: abr. 2020.

 

9.            CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Dados das Inspeções Nos Estabelecimentos Penais: Geopresídios: dados Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: https://www.cnj. jus.br/inspecao_penal/gera_relatorio.php?tipo_escolha=comarca&opcao_escolhida=26&tipoVisao=estabelecimento Acesso em: abr. 2020.

 

10.          Sistema Estadual de Administração de Pessoas. Nota Oficial SEAP: primeiro caso confirmado de coronavírus entre os privados de liberdade do sistema prisional fluminense. Disponível em: http://www.rj.gov.br/secretaria/ NoticiaDetalhe.aspx?id _noticia=5916&pl=nota-oficial-seap Acesso em:  abr.2020

 

 


Não existem anexos para esta legislação.

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