
PROCESSO-CONSULTA CFM nº 4.347/08 – PARECER CFM Nº 35/12
INTERESSADO: CRM-RS
ASSUNTO: Atividade psicanalítica por profissional que não dispõe de título em psiquiatria ou psicologia
RELATOR: Cons. Emmanuel Fortes S. Cavalcanti
EMENTA: A psicanálise é uma entre tantas técnicas psicoterápicas utilizadas por médicos e outros profissionais; portanto, não é ato privativo de médico, respondendo penal, civil e eticamente por seus atos todos os que a praticarem.
DA CONSULTA
Trata-se de consulta encaminhada pelo CRM-RS, na qual o senhor P.P.B. pergunta se o exercício da atividade psicanalítica pode ser exercido por quem não dispõe de título de médico psiquiatra ou exerce a de psicólogo.
Em razão de tal consulta, visando resposta fundamentada para o entendimento desta demanda, solicitamos à Câmara Técnica de Psiquiatria a emissão de parecer, adotando, em parte, seu teor após a promoção da revisão e análise.
DO PARECER
São duas as perguntas formuladas nesta consulta:
a) Psicanalista clínico com curso e diploma de psicanalista, formado e registrado em sociedade psicanalítica, que fez análise didata (autoanálise com psicólogo), pode exercer sua atividade legalmente?
b) O Cremers, em ato fiscalizatório, pode autuar-me por exercer atividade de psicanalista, por não ser portador de título médico ou até impedir-me judicialmente de não exercer a atividade, uma vez, refrisando, que o exercício da psicanálise não é ato médico, com base nos dois pareceres enunciados nesta consulta e pelas leis do Brasil que todo o exercício de profissão que não tenha regulamentação é livre em todo o território nacional?
O interessado apresenta respostas às próprias perguntas ao citar o Parecer CFM n° 4.048/97, onde destaca que “psicanalista clínico formado por sociedade psicanalítica não necessita ter curso acadêmico regular, a exemplo da medicina, posto que é atividade autônoma e independente”. Afirma ainda que “médico ou psicólogo não pode intitular-se psicanalista e, por fim, conclui que a atividade do psicanalista não é reconhecida como especialidade médica e não utiliza em sua prática atos médicos”.
Mais adiante, cita o Parecer CRM-RJ n° 84/00, que contém a seguinte afirmação: A psicanálise é uma atividade assistencial e que pode ser praticada por psicanalistas formados por sociedades psicanalíticas, esclarecendo que a atividade de psicanalista clínico não está ainda regulamentada. Ao final, determina que qualquer pessoa pode intitular-se psicanalista, respondendo pela falta de limites de sua prática e que pode exercer livremente a atividade o psicanalista formado por instituições autônomas, desde que a pessoa faça o curso de psicanálise clínica, faça análise didata e seja associada a uma entidade/sociedade/instituição psicanalítica. A psicanálise é, portanto, uma escola de pensamento sistematizada e organizada, com seus métodos de ensino e de formação. Tem sido tradicionalmente praticada há mais de um século em diversos países, inclusive o Brasil. Desde o seu início faz parte do campo da saúde mental e vem sendo exercida, preferencialmente, por médicos e psicólogos. No entanto, em suas múltiplas correntes, algumas aceitam que outros profissionais a exerçam. No que compete aos médicos, a Associação Brasileira de Psiquiatria não reconhece a Psicanálise como especialidade médica, embora muitos psiquiatras ou médicos de outras especialidades exerçam a função de psicanalistas.
É conhecimento amplamente difundido que a Psicanálise é uma forma de Psicoterapia, esta sim uma área de atuação da psiquiatria. Contudo, muitas outras técnicas se somam à psicanalítica, podendo ser aplicadas por médicos devidamente aprovados nas provas de título de especialista da Associação Brasileira de Psiquiatria e sua área de atuação; e para publicidade, desde que inscrito nos Conselhos de Medicina (Resolução CFM nº 1.634/02).
É importante salientar que, enquanto médicos, os psicoterapeutas psicanalistas, ou os psicanalistas sem a titulação da ABP, afiliados a sociedades psicanalíticas, obrigam-se em sua prática à propedêutica médica pois, por terem formação psicanalítica, não perdem suas prerrogativas e obrigações perante os pacientes e os Conselhos de Medicina.
Uma questão pode ser aventada: e se ele deixar de ser médico, já que um leigo pode exercer a técnica, deixaria de responder por seu ato profissional como médico? A resposta é não! Uma vez médico, domina a propedêutica, a terapêutica e, com toda a certeza, deixar de atentar para os diagnósticos de natureza nosológica agravaria sua responsabilidade. Portanto, para se anunciar precisa estar inscrito no Conselho Regional de Medicina da área onde atue.
Quanto à pergunta do interessado, a resposta é:
a) Em princípio, sim; mas assumindo os riscos cobrados de quem se propõe fazer algo que não domina por formação específica;
b) A resposta é sim, pedir esclarecimentos e identificar os que exercem atos que impliquem em segurança à saúde da população pode ser investigado pelo Conselho de Medicina, o que a entidade não pode fazer é abrir processo ético-profissional e aplicar punição. Mas pode informar ao Ministério Público para que investigue os atos e responsabilidades dos que se propõem a atuar prestando determinados serviços à sociedade.
Em verdade, este parecerista gostaria de afirmar que a técnica psicanalítica é ato profundamente complexo para ser entregue nas mãos de leigos, como de resto podemos afirmar dos atos exercidos por médicos, hoje banalizados a tal ponto que todos se dão ao direito de se dizer competentes para diagnosticar e tratar, o que não é possível. A psicanálise foi criada por um médico neurologista, Sigmund Freud, que a certa altura da construção teórica afirmou que as explicações fisiológicas e fisiopatológicas das funções mentais não poderiam continuar sendo exploradas em suas investigações, dado a limitação da ciência em sua época, e que, por tal razão, continuaria a buscar as explicações pelo viés puro do modelo psicanalítico.
Como os limites foram rompidos e, após Freud, outros profissionais passaram a utilizar a técnica, que quando mal aplicada, ou aplicada por quem não é médico ou psicólogo, realmente vulnerabiliza demais a segurança dos analisandos quer pelos efeitos colaterais de conduções inadequadas quer pelo precoce reconhecimento de doenças para o devido tratamento somático.
O ideal seria que apenas médicos e psicólogos fossem habilitados para as técnicas psicoterápicas, inclusive as psicanalíticas. Para tal, deveria haver aproximação entre as duas Casas (CFM e CFP), com vistas a que um disciplinamento rigoroso viesse a ser adotado de comum acordo entre ambas.
DA CONCLUSÃO
Psicoterapia é um procedimento terapêutico reconhecido pela Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina, definido como uma das áreas de atuação do médico-psiquiatra. Além do médico-psiquiatra, considera-se, embora isto não seja da competência deste CFM, mas sim do Conselho Federal de Psicologia, a atuação do psicólogo como psicoterapeuta, também definida como área de atuação do psicólogo.
Como não temos o condão de definir que outras profissões podem obter formação para a aplicação desta técnica, já que não a reconhecemos como exclusivamente médica, concluímos que o interessado, amparado por formação específica e pertencendo à sociedade psicanalítica pode exercer a técnica, não se furtando, porém, das investigações sobre competência, haja vista que o artigo V da Constituição Federal garante o livre exercício das profissões, embora ressalte que aquelas que demandam formação específica devem ser criadas por lei, ou disciplinadas pelos órgãos competentes, quais sejam, os de natureza pública e federal.
Este é o parecer, SMJ.
Brasília-DF, 24 de outubro de 2012
EMMANUEL FORTES S. CAVALCANTI
Conselheiro relator
Não existem anexos para esta legislação.
Atenção: Com a edição de novas leis e/ou resoluções, pareceres antigos podem estar desatualizados.
Sede: Praia de Botafogo, 228 – Botafogo – CEP: 22.250-145
Tel.: (21) 3184-7050 – Fax: (21) 3184-7120
Homepage: www.cremerj.org.br