
NOTA TÉCNICA CREMERJ Nº 01/2023
(Câmara Técnica de Urologia)
(Aprovada na 456ª Sessão Plenária do Corpo de Conselheiros realizada em 11/05/2023)
ASSUNTO: Parecer referente a procedimento urológico, Ureterolitotripsia Semirrígida e Flexível para tratamento de cálculos ureterais e renais. (Protocolo: 10372974/2023)
Após análise do Protocolo em epígrafe, o presente parecer, elaborado pela Câmara Técnica de Urologia do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), tem como objeto analisar algumas questões acerca do procedimento de Ureterolitotripsia.
Este pode configurar-se como o primeiro de uma série de pareceres que visam esclarecer não apenas os profissionais envolvidos na realização da prática médica, mas também, a todos os agentes que atuam na área médica, incluindo entidades médicas privadas sem fins lucrativos (como a Associação Medica Brasileira e afiliadas, as Sociedades de Especialidades Médicas), os órgãos da administração pública direta (Ministério da Saúde e Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde) e entidades da administração pública indireta (os conselhos de fiscalização profissional entre outros) e os prestadores e operadoras de planos de saúde.
No caso em tela, serão analisados diversos aspectos relacionados ao procedimento conhecido como ureterolitotripsia.
Antes de adentrar no mérito do procedimento, cumpre fazer algumas considerações acerca da litogênese, para que seja, brevemente, explanada qual a origem da patologia em que se faz necessário o uso desta técnica cirúrgica.
A litíase urinária pode afetar cerca de 1 em cada 11 pessoas em algum momento de suas vidas. É de duas a três vezes mais comum em homens que mulheres, sendo o pico de incidência ocorrendo entre 40 a 60 anos de idade. A prevalência e incidência estão diretamente relacionadas ao índice de massa corporal (IMC), sendo que quanto maior o IMC, maior o nível de excreção de oxalato, ácido úrico, sódio e fósforo. Diversos distúrbios metabólicos contribuem para a litogênese, entre eles hipercalciúria, hiperoxalúria, hiperuricosúria e hipocitratúria. A distribuição dos cálculos de acordo com a composição química encontra-se da seguinte forma: cerca de 60% são de oxalato de cálcio; cálculos mistos de oxalato e hidroxiapatita, 20%; ácido úrico 10%; estruvita 10%; bruxita 2% e cistina 1%.
O tratamento inicial da litíase urinária pode consistir em aumentar a hidratação, mudar a dieta e reverter a acidose metabólica. Entre os recursos utilizados na terapia medicamentosa, incluem-se citrato de potássio, ácido acetohidroxamico, d-penicilamina, alopurinol, diuréticos tiazídicos, entre outros.
Entretanto, em alguns casos, as terapias acima não surtem o efeito desejado, necessitando de um tratamento cirúrgico. A terapia cirúrgica pode não significar o fim da doença, uma vez que pelo menos 50% dos pacientes que tiveram cálculo urinário podem apresentar recorrência da doença dentro de 10 anos decorridos do primeiro episódio.
Nos casos de pacientes com cálculos ureterais com localização distal de 5 mm em que a terapia expulsiva não teve êxito, o urologista deve oferecer o tratamento definitivo do cálculo. Os demais casos de cálculos ureterais, ou seja, maiores que 5 mm e que estejam localizados ao longo do ureter e na junção pielo ureteral podem ser tratados por uretroscopia semi-rígida ou flexível. Com o advento da ureteroscopia flexível, os cálculos localizados dentro dos cálices renais, passaram a ser, também, passíveis de tratamento por esta modalidade, dividindo espaço com outras formas de tratamento mais antigas, como litotripsia extra corpórea por ondas de choque e nefrolitotripsia percutânea, a depender de cada caso.
A técnica cirúrgica pode envolver as seguintes etapas, todas, distintas, uma das outras: dilatação ureteral (com cateter balão ou dilatadores sequenciais), ureterolitotripsia (fragmentação do cálculo, utilizando os mais diversos tipos de litotridores), extração do cálculo e inserção de stent ureteral (cateter duplo j). Cada um destes procedimentos podem ocorrer ou não em conjunção com os demais. Cada um deles tem sua peculiaridade, finalidade e complicações próprias. Portanto, são independentes uns dos outros, de acordo com a literatura existente (existem várias).
Entretanto, no caso em tela, tomando, por exemplo, como referência o livro “Atlas de cirurgia urológica”, 4ª edição, HINMANN, a técnica de uretero litotripsia é descrita da seguinte maneira:
Paciente posicionado em litotomia. Introdução de cistoscópio rígido na bexiga. Identificação do meato ureteral e cateterismo do mesmo com cateter ureteral 5 french.
Realização de pielografia retrógrada sob fluoroscopia e visualização do sistema coletor após injeção do meio de contraste e radioscopia. Introdução de fio guia hidrofílico por dentro do cateter ureteral até a pelve renal. Um segundo fio guia hidrofílico, por segurança, pode ser introduzido junto com o primeiro, a depender do cirurgião. Remoção do cistoscópio e do cateter ureteral, deixando o(s) fio(s) guia(s) posicionado(s) na via urinária. O autor descreve a seguir como seriam os próximos passos para a realização de uma ureteroscopia flexível. Embora não esteja descrito especificamente pelo autor, neste caso da ureteroscopia flexível, importante lembrar que a dilatação do meato ureteral com dilatadores sequenciais ou cateter balão muitas vezes é necessária, pois o meato ureteral é estreito ou praticamente fechado, impedindo a introdução do ureteroscópio.
Após as etapas acima descritas, o autor descreve a introdução da bainha ureteral até o ureter proximal. A bainha é descrita como facilitador para a passagem do ureteroscópio flexível e para a remoção de cálculos, resultando em diminuição da pressão intrarrenal e em uma melhor taxa “stone-free”, ou seja, com extração completa dos cálculos.
Após o avanço do ureteroscópio até os cálices renais e identificação de um cálculo, procede-se à sua fragmentação (neste caso, utilizando-se holmium laser). No caso das ureterolitotripsias semirrígidas, é habitual utilizar-se de litotridores balísticos (fragmentação do cálculo). Após a fragmentação, procede-se à extração dos fragmentos utilizando-se basket de nitinol.
Com a fragmentação e remoção completa dos resíduos, o autor, prefere deixar um stent ureteral (cateter duplo j) por 5 a 7 dias em casos não complicados e nos casos de alguma lesão ureteral, por 2 a 4 semanas. Portanto, após a descrição dessa técnica, a câmara técnica responde às seguintes questões:
1. A ureterolitotripsia é o mesmo procedimento para a retirada de cálculo?
Não. Conforme descrito, a ureterolitotripsia é o ato de fragmentação do cálculo, que pode estar acompanhada ou não da extração do mesmo. Se o cálculo for fragmentado em partes mínimas (configurando o que se chama de “dusting” ou poeira) muitas vezes, não há a necessidade de extração. Depende de cada caso.
2. A ureterolitotripsia é o mesmo procedimento que a dilatação ureteral com balão ou cateteres sequenciais?
Não. Conforme já dito, a ureterolitotripsia é a fragmentação do cálculo. A dilatação com cateter balão ou dilatadores sequenciais serve para dilatar o meato ureteral que muitas vezes é estreito demais e não permite a introdução de outros instrumentais necessários.
3. A retirada de cálculo de forma ativa com uso de extratores, seja nos casos de cálculo ureteral ou renal , implica na taxa de sucesso do procedimento?
Sim. Se a massa de cálculo for significativa e não for possível a realização de sua pulverização completa (“dusting”), a remoção dos fragmentos com extrator de cálculo faz-se necessária, implicando diretamente na melhor taxa de sucesso do procedimento.
4. A retirada de cálculo possui complicações independentes da ureterolitotripisa?
Sim. São procedimentos independentes. Podem estar associados para finalizar com sucesso o procedimento ou não. Dependerá de cada caso. A retirada de cálculo com extrator pode ter, entre suas complicações, uma de natureza grave, que seria a avulsão ureteral.
5. A dilatação ureteral muda a taxa de sucesso do procedimento?
Pode mudar sim. A dilatação ureteral pode ser necessária para a progressão de outros itens necessários ao procedimento (cateter ureteral, fio guia hidrofílico, bainha ureteral, ureteroscópio).
6. A dilatação ureteral possui complicações independentes da ureterolitotripsia?
Sim. Como são procedimentos distintos, possuem complicações distintas. Uma das complicações da dilatação ureteral pode ser, por exemplo, dilatar um falso trajeto.
7. É necessário ter disponível em todos os casos, dentro da sala cirúrgica o cateter balão ou dilatador sequencial nas cirurgias de cálculo renal e ureteral?
Sim. Porque se for necessário utilizá-los e não houver a sua disponibilidade, o procedimento cirúrgico pode, inclusive, ter sua realização suspensa, penalizando a saúde do paciente, prioridade absoluta do médico.
8. O hospital público ou o médico na saúde suplementar deve ser remunerado pelo Ato de retirada dos cálculos e/ou dilatação ureteral independente do procedimento de ureterolitotripsia?
É importante aqui destacar que no sistema público de saúde o médico recebe uma remuneração fixa que independe do quanto ele produza em termos de atendimento. Na saúde suplementar, vigora a economia de livre mercado. Os procedimentos são distintos, conforme já foi descrito exaustivamente e, portanto, estando presentes todos os atos necessários ao sucesso do procedimento e sendo, cada um deles, distintos uns dos outros e independentes uns dos outros, podendo ocorrer em conjunto ou não, a depender as circunstâncias de cada caso, entende-se que sim.
Conclusão:
Pelo exposto, fica claro que cada procedimento envolvendo o tratamento dos cálculos ureterais, tem suas particularidades e são independentes uns dos outros, podendo coexistir ou não, a depender das circunstâncias de cada caso.
Este parecer foi referendado pelos membros da Câmara Técnica de Urologia, abaixo nomeados.
Rio de Janeiro, 11 de maio de 2023.
Conselheiro Guilherme Castelliano Nadais - Conselheiro Relator
Responsável pela Câmara Técnica de Urologia do CREMERJ
Membros Presentes na Reunião:
Dr. André Guilherme Lagreca da Costa Cavalcanti – Coordenador da Câmara Técnica
Cons. Luis Guilherme Teixeira dos Santos
Dr. Roberto Kazumi Baldas Miura
Dr. Antônio Braga Neto
Dr. André Soares Tigre
Dr. Alex Flavio Mare de Chiara
Dr. Allan Vommaro Mendes
Dr. Felipe Vaz de Lima
Dr. Francisco Nicanor Araruna Macedo
Referências:
SMITH JR., Joseph; HOWARDS, Stuart S.; PREMINGER, Glenn M. Hinman - Atlas de Cirurgia urológica. 4. Ed. Rio de Janeiro: Di Livros, 2014.
Não existem anexos para esta Nota Técnica.
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