BIOÉTICA E MEDICINA

Bioética e compaixão * Rodrigo Siqueira-Batista Professor de Clínica Médica e Filosofia da Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO) e Membro da Comissão de Bioética do CREMERJ. “ É praticando a compaixão sem limites que uma pessoa desenvolve o sentimento de responsabilidade pelos semelhantes, o desejo de ajudá-los a superar de forma eficaz seus sofrimentos” Dalai Lama As profundas transformações ocorridas nas sociedades ocidentais no século XX - guerras, “avanços” científicos, luta por direitos políticos, entre outros - acabaram por decretar, de forma praticamente definitiva, um genuíno ocaso das certezas, manifesto nas mais diferentes ordens de discurso, especialmente no horizonte mais amplo da moral. Tal foi o pano de fundo para a emergência da bioética, concebida pelo oncologista Van Rensslaer Potter (o criador do termo), em 1970, como uma nova ética científica capaz de dar respostas à deterioração das relações homem-natureza, na medida em que o ser humano, para Potter, se conduziria como um verdadeiro câncer para o planeta, possuindo uma ação extremamente deletéria sobre este. A despeito desta conotação inicial - uma ciência da sobrevivência, cujos objetivos primevos seriam garantir a perpetuação da espécie humana e de sua qualidade de vida - houve uma paulatina transformação no campo conceitual abrangido pela bioética. De fato, a intensificação dos debates sobre a natureza da “nova” disciplina acabou por imputar profundas transformações em relação ao conceito inicialmente proposto, podendo ser esta atualmente compreendida como (1) uma ética aplicada aos problemas levantados pelas ciências da vida e da saúde, (2) um genuíno movimento cultural - cujos aspectos de maior relevância incluem a secularização difusa, o acentuado pluralismo e a grande valorização da autonomia individual -, ou ainda, preferencialmente, em concordância ao formulado pelo bioeticista Miguel Kottow, (3) como a disciplina que se refere à moralidade dos atos humanos que podem alterar, de forma irreversível, os processos também irreversíveis, dos sistemas vivos. Esta concepção - simultaneamente ampla, precisa e radical - abre a perspectiva para a mais adequada compreensão daquela que Fermin Roland Schramm chamou de tríplice função da ferramenta bioética: (1) descritiva, (2) prescritiva - as quais permitem explicitar os conflitos e propor a melhor forma de agir 111

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