PRÊMIO DE RESIDÊNCIA MÉDICA

236 237 Prêmio de Residência Médica Prêmio de Residência Médica as contribuições anteriores voltadas para os transtornos psicóticos. Com Freud a fronteira entre o normal e o patológico passa a ser quantitativa e não apenas qualitativa como na nosologia de Kraepelin. [8-11] Como sendo por excelência “a grande ciência do ser humano”, a psiquiatria recebe ao final do século XIX e início do século XX influência de todas as áreas do conhecimento que estavam se consolidando desde a antropologia e a sociologia até a economia e o direito. Tudo que tem atividade humana acaba tocando nos assuntos sobre a mente humana e os transtornos mentais de alguma forma. Teorias positivistas e deterministas, por exemplo, geraram percepções diferentes sobre a saúde mental. Esse dualismo teórico influenciou também na separação quase radical entre a psiquiatria biológica alemã e a psicanálise de Freud e seus seguidores, Jung e Adler. A primeira guerra mundial e a teoria da relatividade levaram o mundo a enxergar os acontecimentos de forma mais complexa. Isso propiciou o entendimento de psiquiatras como Eugene Bleuler que passaram a tentar unir as teorias psicológicas da mente com as bases biológicas descritas do cérebro. [8-10] Concomitante a isso Willy Mayer-Gross, Karl Jaspers e Kurt Schneider solidificavam a fenomenologia e a tornavam mais sistemática e, portanto, replicável dando-lhe ares científicos mais sólidos, porém ainda com grande base filosófica. [8-10] Todas essas contribuições aliados ao boom das comunicações e meios de transporte do século XX geraram uma necessidade de uma linguagem comum internacional para classificar os transtornos mentais e sistematizá-los de forma operacional. Surge então nos EUA, em 1952, o DSM-I da Associação Psiquiátrica Americana. Por outro lado apesar da CID já existir desde 1893 em Paris, apenas a sexta versão, de 1949, passou a categorizar os diagnósticos psiquiátricos separadamente, mas ainda assim de forma resumida. [8-10] Mais adiante teorias de cunho ideológico como as de Foulcault passaram a criticar o legado das décadas anteriores. Discursos radicais de esquerda passaram ao extremo de negar o diagnóstico psiquiátrico e a existência das doenças mentais e as considerar como pura e simplesmente “armas inventadas como objetos de repressão da burguesia”. Provavelmente além das condições degradantes vistas na maioria dos hospícios ocidentais o que motivou esse pensamento de esquerda deve ter sido influenciado pelos gulags soviéticos de Stálin, as prisões na China de Mao e os campos de concentração nazistas que sistematicamente usaram as doenças mentais como desculpa para eliminar os inimigos do regime. [6,7] Como vimos, na história do entendimento dos transtornos psiquiátricos, diversas ideologias, sejam elas religiosas, filosóficas ou sociais, sempre se entrelaçaram. Muitas vezes essa ligação retardou o avançar de trabalhos que de fato se mostraram efetivos e mais próximos da realidade. [6] É compreensível que a psiquiatria converse com diversas correntes de pensamento, porém, é difícil aceitar que esse diálogo interfira na seriedade científica que deve prezar muito mais pela isenção e por resultados ótimos do que por agradar a opinião de determinados grupos. Se a ciência for usada para agradar a todos ela deixará de ser ciência, será demagogia. No âmbito das ciências, em especial na busca por etiologias orgânicas cabe destacar os avanços da genética desde Mendel, passando por Watson e Crick que trouxeram novas esperanças de entender a dinâmica de todas as doenças. Avançando nesse ponto biomolecular os microscópios eletrônicos e as tecnologias aprimoradas de análise abriram a possibilidade de se identificar marcadores para os transtornos mentais. Porém passados meio século de evolução ainda não foi possível isolar no meio da complexidade química encefálica substâncias que sejam típicas para se determinar um diagnóstico. [12-14] As mesmas esperanças surgiram com os exames de imagem das décadas de 80 e 90 com a TCC e RNM, seguidos pelos exames funcionais com difusão, emissão de pósitrons e espectroscopia. Um gigantesco volume de dados foi gerado e contribuiu para entender diversos aspectos do funcionamento da mente, porém nada suficiente para determinar os diagnósticos psiquiátricos de maneira clara. [5,12-14] Apesar de ainda não conseguirem determinar a existência de todas as doenças mentais, acreditamos que as próximas décadas devem ser animadoras no sentido de mapear marcadores suficientemente sensíveis e específicos para os casos psiquiátricos. Algo como os 11 critérios para se diagnosticar doenças como o Lúpus Eritematoso Sistêmico misturando dados clínicos e marcadores somáticos poderão ser alcançáveis nos próximos anos colocando a psiquiatria em outro patamar dentro da medicina. Mas ainda sem perder o necessário diálogo com as ciências humanas tendo em vista que “a verdade geral sobre o ser humano” parece ser ainda distante de alcançada. Até porque a verdadeira ciência considera toda verdade como provisória. [10] LIMITAÇÕES DOS MODELOS ATUAIS O modelo médico valoriza a tradição etiológica para a definição diagnóstica. Como isso não é possível para a grande maioria das entidades nosológicas de psiquiatria o diagnóstico fica totalmente dependente da avaliação clínica e do modelo adotado para categorizar. [8-10; 15-19]. As atuais formas de se realizar o diagnóstico psiquiátrico encontram basicamente dois tipos de limitações, sobre o método e sobre o profissional que executa o método. O método clássico de realizar o diagnóstico psiquiátrico é baseado na avaliação fenomenológica, amparada num legado histórico de construção da psicopatologia e do conhecimento das características gerais do transtorno. [15-19] A avaliação fenomenológica é o que existe de mais precioso para a formulação diagnóstica dos transtornos mentais. Contudo, apesar de ser imprescindível e orientar todas as demais condutas não pode ser a única ferramenta para a prática clínica e detalharemos o porquê dessa observação. Primeiro devido ao seu caráter transversal que somente verificaos dados numespaçodelimitado de tempo e perde o aspecto evolutivo. Esse ponto é muito importante, pois a confirmação de vários transtornos depende da história precisa e da evolução observada, logo essa questão tempo nunca pode ser negligenciada. Segundo, porque sua estrutura de informação é tipicamente semântica e apresenta o viés da filosofiaedadialética. Seumeconomistaaplicado pode usando números chegar a conclusões diferentes, que dirá um habilidoso profissional com o recurso de palavras. Aqui temos um viés do profissional e sua intencionalidade quanto ao diagnóstico que possa estar “defendendo”. Outro viés também do profissional, e esse é mais óbvio, diz respeito à capacidade técnica de realizar uma boa fenomenologia. Claro, o ideal seria que todos os profissionais dominassem exemplarmente a avaliação do estado mental, mas isso é uma utopia, haja vista que limitações das mais diversas existem nos profissionais e uns se destacarão em detrimento de outros. Na verdade essa consideração é uma das bases dos manuais e tabelas existentes que tentam padronizar o meio de conclusão, pois conseguiriam assim uma uniformidade da avaliação. Muitos protocolos médicos das mais diversas áreas também tentam agir nesse ponto de oferecer uma conduta universal independente da capacidade técnica de quem o executa. [20-22] Assim consideramos a avaliação fenomenológica como crucial na elaboração do diagnóstico Psiquiátrico, mas ponderamos sua atuação quando confrontada nas situações não controladas da prática clínica cotidiana. [20-23] Outro aspecto que também diz respeito ao profissional, e que independe de sua habilidade em realizar o exame do estado mental, é sobre o conhecimento clínico de todas as doenças. Como a Psiquiatria, ao longo das décadas, teve por hábito se dissociar da clínica médica, a formação do Psiquiatra muitas vezes não dá

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