PRÊMIO DE RESIDÊNCIA MÉDICA

234 235 Prêmio de Residência Médica Prêmio de Residência Médica INTRODUÇÃO O Diagnóstico Médico geral A medicina sempre foi considerada uma atividade profissional que engloba ciência e arte, fundamentadas respectivamente em conhecimento técnico diferenciado e em profundo respeito pelo ser humano como pessoa. [1] Ambas as características são importantes, mas enquanto a arte, apesar de poder ser aprendida, apresenta um maior peso dos traços individuais de quem a executa com tons subjetivos variados, a ciência, por outro lado, é reprodutível com mais facilidade e, portanto tende a apresentar numa escala global resultados melhores quando mais bem embasada. [2-4] A atividade na qual a medicina se insere desde os primórdios da civilização consiste basicamente em identificar o desvio do estado da saúde, sua intensidade e reversibilidade, bem como elaborar planos de tratamento para tal anormalidade. Dessa forma historicamente foi construído o método clínico, com etapas para a solução dos problemas de saúde. E a primeira etapa desse método consiste basicamente em identificar o desvio do estado da saúde da pessoa avaliada. Esse processo de identificação é conhecido como diagnóstico. [1-4] Diagnóstico (do grego Diagnostikós – capaz de distinguir, de discernir) tem origem com Hipócrates que através da análise cuidadosa, do raciocínio dedutivo e do empirismo organiza as bases da medicina científica. Assim um modelo é criado para tornar mais confiável e reprodutível as informações e com isso a medicina torna-se mais racional e desapega-se dos cunhos místicos que vigoravam nas principais culturas. É interessante notar que até o século IV a.C. a maior produção de conhecimento médico concentrava-se nos trabalhos dos egípcios, chineses e hindus. Porém foi exatamente o rompimento dos gregos com o misticismo e a estruturação do método científico que permitiu uma confiabilidade milenar que perdurou como modelo de trabalho. [4,5] Lançando os fundamentos da medicina moderna, os gregos criaram como base inicial de avaliação a comparação entre o saudável e o enfermo. Teorias foram elaboradas para justificar os sinais observados. Técnicas de exame físico começaram a ser padronizadas para pesquisar detalhadamente as alterações. Com o tempo o conhecimento acumulado sobre a evolução das doenças permite o desenvolvimento da anamnese (do grego: trazer a memória) estruturada. [1] Por mais de 2.000 anos esse modelo básico foi mantido. Maior conhecimento era construído, mas apesar do refinamento das técnicas de avaliação semiológica o resultado ainda dependia totalmente da análise observacional. Contudo, avanços científicos em diversas áreas no séculos XVII e XVIII, com destaque para Principia Mathematica de Isaac Newton de 1687, mudaram a forma de enxergar o mundo e foram aproveitados pela atividade médica. [6] O estudo da ótica e os trabalhos sobre as lentes permitiram o desenvolvimento do microscópio e a descoberta da microbiologia por Antony Van Leeuwenhoek em 1674. [6] A evolução dos estudos nessa área culminou nos trabalhos de Louis Pasteur do século XIX, que geraram um salto qualitativo na atividade médica sem precedentes. [5,6] Medidas sanitárias foram desenvolvidas com a compreensão da dinâmica das epidemias embasadas sob o contexto matemático e geográfico. [7] E um novo entendimento dos mecanismos das doenças acabou por possibilitar uma mudança de paradigma marcante no método de diagnóstico médico abrindo uma nova fronteira na investigação clínica: os exames laboratoriais como ferramentas complementares ao diagnóstico. Concomitante a isso, avanços na química e a sistematização dos estudos de anatomia ajudam a tornar a patologia um método confiável para a definição diagnóstica. [4-6] Paralelo a esses acontecimentos o advento da radiografia (descoberta por Wilhelm Conrad Rontgen no final do século XIX e aplicada com uso médico no início do século XX) transforma completamente o modo de fazer diagnóstico. [6] Os exames de imagem marcam a materialização do diagnóstico. Algo palpável surge para além da avaliação clínica, que muitas vezes fica fora da compreensão do sujeito comum. O “diagnóstico visível” rapidamente torna-se popular. Tem início uma nova forma de diagnosticar em que dúvidas passam a ser cada vez mais inaceitáveis. Uma nova rotina começa a ser estabelecida complementando a avaliação do profissional médico com os exames laboratoriais, de imagem e análise histopatológica. O desenho de qual seria o principal para se determinar uma dada hipótese leva a elaboração do “padrão- ouro”, que passa a ser a palavra final na conclusão do diagnóstico. [2,4] O século XX, com a explosão dos meios de comunicação, incrementa um volume gigantesco de informação ao conhecimento médico. Nisso os métodos de exames complementares tornam-se mais sofisticados e enraízam-se por completo no modelo clínico de diagnóstico. A avaliação médica continua sendo totalmente imprescindível, mas muda sua forma de ação, deixando de ser a verdade absoluta dos séculos anteriores para ser mais próxima da atividade de um maestro que organiza e direciona a pesquisa diagnóstica escolhendo com sabedoria que ferramenta complementar a ser usada. [2,4] É curioso notar que a definição de algumas doenças passou a se confundir com os resultados dos exames complementares, caso da Diabetes Mellitus e os níveis glicêmicos padronizados, os marcadores reumatológicos e a hemorragia subaracnóidea vista nos exames de imagem. Inicia-se a era da padronização na medicina. Entidades médicas baseadas em pesquisas passam a definir quais critérios que são necessários serem satisfeitos para se confirmar determinada hipótese. Consensos e protocolos tomam conta das publicações médicas. As ações públicas de saúde e decisões judiciais passam a se embasar nessas descrições padronizadas. O diagnóstico, e também o tratamento, vão tomando uma forma mais previsível, mecânica e replicável. [2,4] A arte passa a ser cada vez mais individualizada. A ciência vira obrigação acadêmica, moral e jurídica. Desafios Históricos na Psiquiatria Apesar de Galeno, influenciado pela cultura grega, no início da era cristã já associar os transtornos psíquicos ao estado do sistema nervoso central muitos séculos se passariam até a psiquiatria conseguir se apresentar de forma mais dissociada do misticismo. [8-10] Marcadamente no século XVIII Philippe Pinel no manicômio de Bicetrê organizou o modo de entender e classificar as doenças mentais, influenciando assim no entendimento e no acolhimento aos pacientes portadores desses transtornos. A grande aceitação dessas idéias coincidiu com a filosofia de Immanuel Kant. O mundo científico começava a enxergar os transtornos mentais de forma mais organizada e com menos influência religiosa situando-os entre a ciência e a filosofia. [8-10] A segunda metade do século XIX influenciada pelos trabalhos de Louis Pasteur e Charles Darwin marca a busca pela etiologia em toda a medicina e por consequência as bases biológicas dos transtornos mentais. Karl Wernicke, Alois Alzheimer e Arnold Pick são exemplos dessa busca cerebral das alterações da “mente”. Um dos exemplos de sucesso desse momento foi a evolução da tese de Antoine Bayle que descreveu a paralisia geral progressiva mais tarde conhecida como neurosífilis, com o isolamento no cérebro do Treponema pallidum por Noguchi em 1913, ou seja, pela primeira vez uma etiologia clara foi bem definida para uma doença mental de grande prevalência. [8-10] Seguindo temos Emil Kraepelin sistematizando a observação clínica e a fenomenologia para o diagnóstico psiquiátrico. O mesmo, influenciado pelo boom de categorizações da biologia e das ciências naturais começa a estabelecer categorias mutuamente excludentes. Inicia-se a psicopatologia como ciência. Concomitante a isso o neurologista Sigmund Freud cria uma nova linha de pensamento filosófico para o entendimento dos transtornos mentais com um entendimento dinâmico revolucionário, em especial focando nos transtornos mentais ditos “leves”, as neuroses, em contrapartida

RkJQdWJsaXNoZXIy ODA0MDU2