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Sem cursos decentes e Revalida, medicina está em risco

02/09/2019

Em artigo publicado hoje, no jornal O Globo, Dr. Raphael Câmara aponta os principais problemas da Medicina brasileira e apresenta soluções. Veja:

No começo do século passado, o educador americano Abraham Flexner foi designado para avaliar 155 faculdades de Medicina dos EUA. Como no Brasil de hoje, havia excesso de faculdades e escassez de qualidade. Sua dura avaliação, de 1910, ficou famosa: afirmava que muitos dos cursos eram “uma desgraça para a causa da medicina”. Na década seguinte ao Relatório Flexner, o número de faculdades caiu 36%, de 133 para 85. E hoje os EUA têm uma das medicinas mais respeitadas do mundo.

A medicina brasileira há anos sofre uma situação que põe em risco a saúde de toda a população. A decadência se acelerou em anos recentes. Os principais fatores foram a explosão de cursos de péssima qualidade Brasil afora, colocando-nos como o segundo país com mais faculdades de medicina no mundo; e o malfadado programa Mais Médicos, que trouxe cubanos como profissionais sem titulação aferida, em troca de dinheiro para o governo cubano. Ninguém está a salvo, nem os ricos e ou políticos, sujeitos – como todos os brasileiros – a acidentes e a terminarem em hospitais públicos, como o presidente da República, Jair Bolsonaro, salvo de uma facada por médicos de uma unidade do SUS.

No início de agosto, o grupo de trabalho de cubanos do Ministério da Saúde, de que participei, decidiu que eles passarão a ser tratados como qualquer médico formado fora do país, só podendo exercer a medicina após aprovados pelo teste Revalida.

Nos últimos anos, vem se intensificando a emigração de brasileiros para cursarem medicina em países fronteiriços, em faculdades privadas de péssima qualidade, com a expectativa de exercer a profissão no Brasil. Já são dezenas de milhares. Esse capital eleitoral motiva políticos populistas a buscar arrumar uma “solução” para esses profissionais praticarem medicina sem prova ou amparados pelo “Revalida light” – uma gambiarra para permitir a pessoas incapazes atender a população, colocando-a em risco.

O governo não pode abrir mão do Revalida em universidade pública para autorizar o exercício da medicina no país. Assim é em qualquer país sério, como Estados Unidos, França ou Inglaterra. Diferentemente do que é dito, estes profissionais formados fora não resolverão a escassez de médicos no interior do Brasil. Após obterem seus registros, não vão se estabelecer nos rincões, e sim nos grandes centros.

A falta de fiscalização efetiva das faculdades privadas de Medicina é outro problema. Muitas foram abertas sem nenhuma condição de formar médicos adequadamente. Há denúncias de que alunos de países da América do Sul se transferem já no final do curso para uma faculdade brasileira, com o intuito de obter o CRM sem o Revalida. Se comprovadas as denúncias, faculdades transformadas em balcão de negócios precisam ser fechadas.

Não faltam médicos ao Brasil. Falta é política de captação de profissionais para os rincões e que só será resolvida com a criação de uma carreira de Estado. O recente programa Médicos pelo Brasil, embora melhor que o moribundo Mais Médicos, tampouco resolverá o problema. A contratação por CLT não dá ao médico a segurança de abandonar sua vida estabelecida para morar em local ermo, se está sujeito à demissão a qualquer tempo. Sugeri ao ministério a criação da carreira de Estado ao menos para os locais mais afastados – promessa de campanha. Seria uma forma de mitigar a falha e serviria de início para a carreira de Estado em todos os postos posteriormente.

É hora de dar um fim a este momento dramático, com milhares incapazes de exercer a medicina, formados em péssimos cursos fora do Brasil, sem Revalida, e com graduados no Brasil em faculdades onde basta ter dinheiro para conseguir o diploma. Precisamos por aqui de um novo Relatório Flexner, como nos EUA de 1910, que separe os bons cursos dos maus. Porque os principais afetados são sempre os mais pobres.

Raphael Câmara Medeiros Parente é médico e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro