CREMERJ em Revista Outubro/2020

14 CREMERJ em Revista • Outubro | 2020 Os médicos falam 1º março de 2020. Início de um novo ano de residência no país. Minha terceira especialização. Agora, em pneumologia. Expectativa enorme, com novos aprendiza - dos, especialização, metas, sonhos e uma carreira a ser construída. Dois anos. Sem tempo a perder. 11 de março. A OMS declara pandemia do novo coronavírus. Pausa. Em 15 dias, todas as atividades de residência médica sofreram mudanças e foram interrompidas. Afinal, algo inevitável ia acontecer: a pandemia chegou ao Brasil. A estimativa otimista já era pessimista. Os números estrangeiros eram enormes. Notícias assustadoras. Por que aqui não seria igual? Quem vive o sistema único de saúde já convive com o caos dos hospitais lotados e sem recursos. Como iríamos abraçar esse mundo de pessoas doentes? Durante toda a história, profissionais de saúde estiveram à frente das ações de combate às pandemias. Nessa, não seria diferente. Toda e qualquer ajuda é bem- vinda, necessária. E o papel do residente não seria outro. Estar presente e participar da melhor forma. Surgiram novos papéis. O tempo perdido Atender, na emergência, os novos casos, participar da triagem respiratória, trabalhar nos CTIs. Fomos alocados onde necessário. Os casos cresciam na população, e também entre os residentes. O medo, a incerteza e a insegurança duelaram fortes contra o senso de responsabilidade social e o apego a um projeto muito maior: socorrer àqueles que necessitavam. As linhas de frente eram muitas: desde a triagem na policlínica, aprendendo a fazer ultrassom pulmonar, a entender as principais queixas dos pacientes; a insuficiência respiratória, a intubação orotraqueal e aprender a manejar um paciente crítico. Sim. Aprender. Nesse cenário de trabalho excessivo, físico e mental, houve espaço para aprender. Aprendemos que somos responsáveis por muitas vidas como a da Maria, mãe de uma colega médica que foi internada no nosso CTI. Aprendemos a falar por telefone com famílias desesperadas. Aprendemos a dar a mão àqueles que não conseguiam respirar direito. Aprendemos a trabalhar em equipe com pessoas que nunca vimos antes, de especialidades e de áreas diferentes, do dia para noite. Não. Não foi fácil. Acordar todos os dias e não ter a certeza de quando seria a minha vez de me contaminar. E se eu não sentisse nada, passaria para minha família? Não foi fácil me isolar e não ter minha família por perto. Não ter minha mãe para me abraçar quando perdi a Miriam, funcionária do hospital, ou ter minha irmã para comemorar comigo quando a Maria foi para casa. Tempo. O tempo foi passando e os dias correndo sem controle. E esses meses perdidos longe da minha especialidade? Vamos recuperar? Não. Esse tempo passou. Mas, não foi perdido. Foi conquistado, com crescimento e amadurecimento. Pois ser médico, é entender que nem sempre vamos curar. Mas, a todo momento, iremos consolar e cuidar. Aprendemos acima de tudo a ser humanos, pois, sem isso, de nada serve a especialidade, nem mesmo a medicina. Bruna Provenzano

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