Publicação científica trimestral do CREMERJ - número 4 - 2022

10 História da Medicina: Para que serve. Qual sua finalidade Carlos Alberto Basílio de Oliveira Med. Ciên. e Arte , Rio de Janeiro, v.1, n.4, p.7-12, out-dez 2022 melhor as coisas e os conceitos quando se tem uma visão clara de como se formaram. Afirmar a importância da História da Medicina é afirmar a importância da pró- pria medicina. A imagem que o médico tem do passado de sua profissão influen- cia seu pensamento e, portanto, sua ação. Ummédico sem nenhum conhecimento de História da Medicina pode tratar com su- cesso seu paciente. Entretanto, quando sua ação é dirigida a um grupo de indivíduos, ou quando esta ação deve ultrapassar a simples interferência técnica na biologia de um indivíduo, ele necessitará de conhe- cimentos históricos. O sucesso de sua ação poderá depender da correta apreciação dos fatores sociais, econômicos, religiosos e filosóficos que determinam a situação. Esta apreciação pode ser adquirida somente como resultado de análise histórica. Ver a história das epidemias que ocorreram nos séculos passados e as que nos atormentam em dias atuais. A História da Medicina mostra como o conceito de uma enfermidade, sua etiolo- gia e seu tratamento, prevalentes em um momento dado, podem ser substituídos por outros melhores. Esta noção da tran- sitoriedade da verdade científica educará o médico no espírito independente e críti- co, tornando-o preparado para assimilar as mudanças, as novas verdades que na medicina ou na sociedade se desenvolvem. A História da Medicina, em sua tríade conceitual – histórica, filosófica e ética – está repleta de situações e decisões que marcaram nossa história. Uma delas, que envolve questão clínico-cirúrgica, com fundamental princípio fisiopatológico, pode ser retratada como legítimo exemplo de acontecimento real que passou para a His- tória da Medicina. A partida para se discorrer sobre a his- tória do hiperparatireoidismo foi a primeira cirurgia com sucesso para excisão de um tumor de paratireoide realizada por Felix Mandl, no dia 30 de julho de 1925, emViena, na clínica do professor Anton von Eisel- berg, famoso discípulo de Billroth. Nesta época ainda prevalecia o conceito de que a doença descrita por von Recklinghausen, a conhecida osteíte fibrosa cística, levaria ao aumento da paratireoide, sendo considerado fenômeno compensatório, necessário para manter a homeostase metabólica. Albert, condutor de bonde, com 38 anos de idade, paciente de Mandl, teria par- ticipado do exército austríaco durante a Primeira Guerra Mundial, se não tivesse sido dispensado por contrair tuberculose. Em 1921 foi internado por dores nos pés e nas pernas. Um exame radiológico, feito em 1923, mostrou que seus ossos estavam transparentes e com vários cistos que se faziam acompanhar de acentuada fibrose. O diagnóstico, então, ficou fechado – doença óssea de von Recklinghausen. Estabele- ceu-se neste momento a necessidade de uma decisão: o que tratar primeiro – a doença óssea ou o tumor cervical que seria

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