Publicação científica trimestral do CREMERJ

46 Pancreatite autoimune José Galvão-Alves, Bruna Cerbino de Souza Med. Ciên. e Arte , Rio de Janeiro, v.1, n.1, p.45-58, jan-mar 2022 INTRODUÇÃO Embora referida por Sarles e colabora- dores (1) em 1961, somente em 1995 a doença pancreática crônica de etiologia indetermi- nada, cujo componente fibroinflamatório é rico em células linfoplasmocitárias, foi denominada por Yoshida e coautores (2) como pancreatite autoimune (PAI), adquirindo finalmente identidade própria e termino- logia mundialmente aceita. Em 2006, Chari, da Divisão de Gas- troenterologia e Hepatologia da Mayo Cli- nic, (3) definiu a pancreatite autoimune como “doença fibroinflamatória sistêmica, que afeta não somente o pâncreas, mas também outros órgãos, ductos biliares, glândulas salivares, retroperitônio e nódulos linfáti- cos. Os órgãos afetados têm um infiltrado linfoplasmocitário rico em células positivas para IgG4 e este processo inflamatório responde à corticoterapia.” Estudos posteriores, no entanto, iden- tificaram a existência de dois subtipos de pancreatite autoimune, com fenótipos clínicos e perfis histológicos distintos, que compartilham entre si resposta favorável à corticoterapia. Assim, definiram-se a pancreatite esclerosante linfoplasmocitária (tipo 1) e a pancreatite ducto-central idiopá- tica, ou pancreatite com lesão granulocítica (tipo 2), as quais também diferem quanto à demografia, à sorologia, ao envolvimento de outros órgãos e quanto às taxas de recidiva. Enquanto a pancreatite linfoplasmocitária está associada a elevações nos títulos de au- toanticorpos inespecíficos e IgG4, a forma idiopática não se relaciona commarcadores sorológicos definitivos. Essa definição atual nos parece mais abrangente e coloca a PAI no contexto de um grupo de condições que podem se manifestar de forma isolada no pâncreas ou sistemicamente. (4) No momento, discute-se a inclusão de um terceiro tipo de pancreatite autoimu- ne – o tipo 3 – cujas características não permitem sua individualização em uma das categorias já descritas. Parece-nos oportuno comentar esta proposição, no entanto ainda não a adotamos em nossa prática clínica. Pancreatite autoimune é uma condição infrequente, benigna, mais descrita nos países asiáticos, porém possui prevalência global e sua incidência tem aumentado no Ocidente, possivelmente pelo maior reco- nhecimento da doença. A distinção entre a pancreatite au- toimune e as demais pancreatopatias, em especial a pancreatite crônica alcoólica, malignidade do pâncreas e das vias bi- liares, é fundamental, visto que quando a etiologia é autoimune a terapia medicamen- tosa, se iniciada em tempo hábil, é capaz de reverter as alterações morfológicas e funcionais desencadeadas pela doença. Neste capítulo abordaremos o que há de mais atual sobre a epidemiologia, formas de apresentação, critérios diagnósticos, opções terapêuticas e desfechos clínicos da pancreatite autoimune.

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