BIOÉTICA E MEDICINA

situação de “superioridade” para um outro em total impotência e penúria - esvaziando- se assim a identificação da compaixão com a mera comiseração, distinção que parecer não ter sido levada em consideração por Friedrich Nietzsche em sua crítica à moral. De outro modo, a verdadeira compaixão se estabelece entre intercessores que se reconhecem mutuamente entre si, na medida em que se compreende a vida como manifestação de um mundo ambíguo -prazeres e dores; felicidades e sofrimentos; sabores e agruras -, marcado pela impermanência e transitoriedade de todas as coisas, às quais todos os viventes, sencientes, estão invariavelmente submetidos. Nascida para dar conta dos problemas intrínsecos ao binômio homem- natureza - tal qual a visão de Potter - a bioética vem sendo instada a subsidiar as discussões e decisões acerca de questões cada vez mais limítrofes no âmbito da existência. Neste movimento, integrar a compaixão aos demais fios que compõem seu grande tecido pode representar a lídima síntese entre as visões originária e hodierna da bioética, na medida em que ser compassivo - ao contrário da adoção de um posicionamento paternalista, fundamentado em um mero sentimento de dó ou indulgência -, pressupõe o desenvolvimento e a prática de um amplo respeito pela vida - quiçá como a hospitalidade incondicional defendida por Jacques Derrida -, a partir do reconhecimento de que as relações (bio)éticas se desenrolam em um mesmo plano horizontal entre iguais. Afinal, ter compaixão, em última análise, implica acolher o outro, oferecendo-lhe morada, abrigo, e guarida - como no ethos homérico -, com a mesma intensidade e complacência segundo a qual todas as águas são recebidas, de modo incontendível, pela silenciosa imensidão do oceano. * Artigo publicado no Jornal do CREMERJ , ano XVII, n. 170, p. 15, nov. 2004. 113

RkJQdWJsaXNoZXIy ODA0MDU2