BIOÉTICA E MEDICINA

diante deles - e (3) protetora, esta última uma recuperação do sentido originário da palavra grega ethos - no mundo homérico = dar “abrigo”, ou “guarida”, aos animais -, semolvidar seus dois outros significados, caráter e costumes. A caracterização estabelecida por Schramm & Kottow torna diáfana a intrínseca perspectiva cuidadosa e protetora da ética e, por conseguinte, da bioética. Mas por que proteger? Com qual intenção? Ou - atualizando a questão platônica apresentada no diálogo Górgias -, por que fazer o bem? A pergunta que se coloca refere-se àmotivação para atuar nesta dimensão do cuidado e da proteção: o que seria capaz de mover um sujeito - por exemplo, profissional de saúde - no sentido de cuidar e proteger um outro - por exemplo, um enfermo em sofrimento? Haveria uma instância mais ampla permissiva ao amparo de uma pessoa - mas também, de uma população ou do próprio planeta? Este é o cerne da questão: se a proteção pressupõe, de ummodo distinto, o amparo a um outro que esteja em situação desfavorável, pode-se estabelecer quase intuitivamente uma conexão com a idéia de simpatia. Ora, ter simpatia - do grego s?p??e?a = padecer juntamente, simpatizar, compadecer - é ter com-paixão, originariamente na tradição ocidental com-partilhar o p???? (pathos = paixão, sentimento, afeto arrebatador) do outro. Este é o sentido cristão de tomar para si o padecimento alheio - do latim compati = sofrer com (e não sofrer como) -, em uma clara referência ao martírio do Nazareno, capaz de sofrer pelos pecadores nos derradeiros momentos de sua vida terrena. Sem embargo, a compaixão pode ser compreendida de forma bastante distinta: não enquanto tomada para si da dor alheia, mas sim como acolhimento incondicional do outro - de acordo com a dimensão evocada por Karuna (compaixão em sânscrito), fulcro das éticas budista e schopenhauriana - reconhecendo a plenitude de sua condição humana. Tal acolhimento implica o não-julgamento do outro (por exemplo, abstendo-se de reconhecê-lo como fraco ou como vítima), mas sim, e tão somente, a aceitação de sua condição de vivente, caracterizando o movimento de recebê-lo sempreconceitos e comprofunda responsabilidade. A compaixão pressupõe, assim, o deslocamento do “eu” em direção ao “outro”, a partir de uma peremptória deferência à inserção deste último na tessitura de sua própria existência. Nesta perspectiva, é incorreto compreendê-la enquanto piedade - desde que seja entendida apenas como a benevolência de alguém em uma 112

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