BIOÉTICA E MEDICINA

55 A autonomia do saber científico é apenas relativa. A ciência não é uma deusa onipotente que à sua chegada tudo modifica, tudo transforma sob o olhar impotente dos seres humanos. Pelo contrário, a ciência é um produto do gênio humano, colocado em nossas mãos livres para dispor ou não dela. É a cidadania, através de leis apropriadas, que decide se usa ou não um produto que o cientista, com absoluta liberdade de pesquisa, produziu em seu laboratório. Portanto, é inútil proibir a pesquisa científica. Ela será feita inevitavelmente. Impedi-la seria tolher a liberdade e o direito de pesquisa. O juízo ético e político referem-se ao uso da descoberta científica. Sirva de exemplo a clonagem. Em princípio, ela é possível em seres humanos, mas a comunidade política ainda não tem clareza sobre a conveniência de sua adoção imediata; talvez num momento posterior haverámais luz e a descoberta poderá ser liberada para o uso da sociedade. Outro ponto crucial na pesquisa científica, e este é negativo, é o perigo da manipulação por empresas que financiam a pesquisa de ponta, com o fim exclusivo do lucro abundante, graças ao patenteamento das descobertas. Neste caso, o cientista passa a ser escravo das intenções curtas dos financiadores de projetos gigantescos, como o mapeamento do genoma humano. Aqui, empresa e pesquisadores perdem o horizonte ético da ciência como serviço à humanidade. Uma última observação, talvez a mais importante, refere-se à bioética como sub-área da filosofia. Diz-se que a bioética tirou a filosofia e a ética da mediocridade. E isto, em larga parte, é verdade se considerarmos que a bioética inaugurou um novo lugar de observação ético-filosófico, o laboratório de pesquisa genética e biomédica. Abrindo horizontes, antes de tudo, a bioética não é simplesmente uma “ética aplicada” a um campo do saber científico. A bioética é filosofia, é ética filosófica intimamente ligada a uma tradição milenar. Isto significa que não é possível ser competente em bioética sem conhecer com certa profundidade esta tradição. Sem esta amplitude de formação, o cultor de bioética arrisca ser apenas um aplicador mecânico de um paradigma bioético, o principialismo, por exemplo. A bioética de horizontes cósmicos está longe de formar os “filósofos profissionais”, ou pejorativamente chamados “bioeticistas”, contratados por

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