BIOÉTICA E MEDICINA
Entre a espera e a revelação * Marlene Braz Doutora em ciências/Fundação Oswaldo Cruz, Médica psicanalista e pesquisadora do Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz. O discurso da ciência vem cumprindo o papel das tradições passadas e a nova concepção de vida consiste em enxergá-la como uma sopa de letrinhas ou de átomos, que ao se reunirem formam fonemas, palavras, frases, livros, bibliotecas. Uma letra fora do lugar, mutação. Há bilhões de anos que esse mecanismo de se reproduzir ocorre e agora, pela primeira vez, o conhecimento do código da vida autoriza a ciência a reunir letrinhas para formar novos seres modificados/adequados às necessidades de cada umou da sociedade. Outro fato inédito que se coloca para todos é que existe a possibilidade do sujeito de conhecer geralmente demais o que há para conhecer a respeito de si próprio e, possivelmente pelos outros. Ambos os fatos são paralisantes no que respeita à espontaneidade com que o indivíduo deve se tornar ele próprio. O que era ocultado, se coloca em toda a sua crueza e a partir de sua revelação da “verdade” antes escondida na molécula o sujeito passará a pensar e agir em torno de expectativas, prognósticos, esperanças e receios como se já estivesse condenado a ter tal ou qual doença. Esse suposto conhecimento tende a sufocar no sujeito a errática busca e a perseguir o “destino” traçado pela molécula. Modifica-se, também a percepção de saúde e de doença. Sentir-se saudável não é mais sinônimo de ter saúde, pois podemos portar em nossos genes uma mutação que poderá se manifestar a qualquer momento. Pode-se dizer hoje que todos somos doentes virtuais. Como conseqüência, omédico vemassumindo umpapel social de detentor da solução de todas as nossas necessidades físicas e mentais e, portanto, sabedor do que émelhor para nós. Se tivermos, na família, casos de câncer demama, se podemos recorrer a um teste genético preditivo, por que não fazê-lo? Fazendo ou não o teste, se a probabilidade de adoecer é grande, porque não extirpar o mal antes que apareça? Quais as conseqüências para a pessoa de saber que porta uma mutação? Será colocado em sua ficha médica podendo, portanto, ser discriminado pelas seguradoras? Serão exigidos tais testes quando uma pessoa pleitear um emprego? Estas questões movem os bioeticistas. Para nós, psicanalistas, o problema que 63
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