BIOÉTICA E MEDICINA

transmutou-a de um evento inexorável, inerente ao ser humano, familiar, doméstico, com rituais, participação de adultos e crianças. Em um dado hospitalar, estatístico (matemático, portanto abstrato), afastou de si o sofrimento da finitude, pretendendo esquecer que “há tempo para todo propósito debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de curar;...” (livro do Eclesiastes, Bíblia Sagrada). Ao mesmo tempo, entregou à ciência, em especial aos médicos, uma autoridade que não evoluiu no tempo (a evolução é dialética, democrática). Os médicos eram os únicos que viam o nascimento e a morte, sendo as testemunhas do sofrimento humano. Cristalizou-se uma consciência: se a criação da vida é um evento bioquímico, a evolução uma necessidade inexorável, o que os diferenciava de Deus? A vida os aguardava (indiscriminação de abortos e cesarianas), a morte necessitava de seu conhecimento (tratamentos de alta complexidade, aumento da longevidade das populações com o progresso da ciência médica, constatação de óbitos). Como poderia a sociedade questionar seu poder de decisão sobre omelhor para os seres? A esquizofrenia nuclear, a degradação ambiental, a clonagem, a inexistência de limites para a ciência fizeram com que a sociedade exigisse a discussão acerca do poder que resta aos homens comuns em situações existenciais. Como está o preparo da equipe de saúde, emespecial da corporaçãomédica, para este questionamento? A consciência da morte e do morrer como um evento inseparável do existir sempre preocupou filósofos, profetas, pensadores. Nas palavras de Thomas Mann: ”Sem a morte haveria muito poucos poetas na terra”. Havia a consciência de que a morte era atributo da vida, assim como o amor, o universo, etc. e, portanto, de todos os seres. A mudança do paradigma científico, com as conseqüentes alterações históricas do cuidado médico no Ocidente, o distanciamento dos médicos dos seus pacientes e sua aproximação com a pura tecnologia fizeram com que, nas últimas décadas, a discussão passasse a ser científica, a partir de estudos como os de Elizabeth Kübler-Ross, com a constatação de que morrer não era mais um evento natural, mas um fenômeno a ser estudado. Nos tempos modernos, mesmo emestudos bem orientados e lúcidos, quando são feitas tentativas de dividir o morrer em três, cinco, seis ou mais etapas distintas, dissecando-o anatomicamente para facilitar-lhe a 50

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