PRÊMIO DE RESIDÊNCIA MÉDICA

244 245 Prêmio de Residência Médica Prêmio de Residência Médica – Diagnóstico sugestivo pela interpretação da escala. O que nos orienta a avaliar outras hipóteses e melhorar alguns pontos. Assim revemos o extenso prontuário da paciente que tinha mais de trinta internações nos últimos 20 anos. Percebemos que em 30% dos casos foi aventada a hipótese de Transtorno Bipolar do Humor, mas devido ao estado social e cognitivo da paciente a hipótese de Esquizofrenia foi a que prevaleceu. Embora a paciente não tenha de fato nunca conseguido manter estabilidade dos sintomas com descompensações esporádicas semelhantes à apresentada, com frequência algumas vezes superior a 4 episódios anuais. Realizamos exames complementares e revemos a fenomenologia dos sintomas. DessaformaformulamosahipótesedeTranstorno Bipolar do Humor com ciclagem rápida (EVD: 95 – sendo menos 5 pontos no item 4) e avaliamos o nível cognitivo da paciente e descobrimos a mesma ser portadora de Retardo Mental Leve (EVD: 90 – sendo menos 10 pontos no item 4). Observamos que a paciente nunca tinha usado estabilizador do humor, e iniciamos Ácido Valpróico. Cursou com melhora importante nas 3 semanas subsequentes quando evoluiu com depressão sendo associado Lamotrigina. Após 1 mês em uso do esquema de Ácido Valpróico + Lamotrigina + Haldol + Fenergan apresentou remissão completa dos sintomas. Seguiu em acompanhamento pela Terapia Ocupacional com trabalho de re-socialização e voltado as atividades de vida diária. Teve alta para residência terapêuticamantendo apenas Ácido Valpróico e Lamotrigina. Seguimento de 6 meses após a alta mostrou paciente eutímica, com boa interação social, capaz de se auto-gerir sob supervisão sem qualquer sintoma psicótico residual. Caso Clínico 3 Paciente J.T.O., sexo feminino, 18 anos, atendida emergencialmente devido a quadrode alucinações visuais e alterações do comportamento. Estava há 10 meses em acompanhamento com psicóloga e psiquiatra por “quadro conversivo” devido a possíveis “problemas de relacionamento no trabalho”, encontrando-se em uso de Fluoxetina e Clonazepam aliado a terapia semanal. Paciente apresentava-se ao exame acordada, apática, com interação prejudicada e sem aparentar psicose. Avaliação geral sugeria síndrome demencial numa paciente de 19 anos. Foi encaminhada a internação em hospital clínico para investigação. A equipe da ClínicaMédica, os serviços de Neurologia e de Psicologia Hospitalar suspeitaram de Depressão e Transtorno Conversivo. Aplicado a EVD e a pontuação obtida para essas hipóteses foi respectivamente de 30 e 45 pontos. O quadro fenomenológico apontava para síndrome demencial e não havia de nossa parte uma hipótese coerente para a história recente que incluía alucinações visuais não sistematizadas, apatia, abulia e hipopragmatismo com pensamento muito empobrecido numa paciente que tinha terminado o segundo grau e trabalhava como lojista. Suspeitamos então de uma Demência de causa orgânica, EVD: 60 (perdendo pontos nos itens 1, 3, 4 e 5). Sendo assim orientamos manter investigação clínica detalhada. O serviço de infectologia também suspeitou de síndrome demencial precoce e assumiu o caso em conjunto com a Psiquiatria. Paciente evoluiu restrita ao leito, apática com anorexia e dependente de cuidados precisando ser encaminhada ao CTI. Solicitamos RNM de crânio, análise do LCR e EEG de 24 horas. O resultado do LCR mostrou bandas oligoclonais positivas. RNM mostrou pequena lesão desmielinizante em região temporal. EEG apontou para sinal irritativo em região temporal. Diante desses resultados formulamos a hipótese de Epilepsia de Lobo Temporal causada por Esclerose Múltipla. Iniciado anticonvulsivante e pulsoterapia com corticóide. Evoluiu com melhora tendo alta do CTI após 4 dias. Voltou a deambular e a se alimentar. Feitas orientações aos familiares e encaminhada ao tratamento ambulatorial com a Neurologia. Foi re-avaliada dois meses após a alta com remissão completa do quadro psiquiátrico. Seguiu mantendo acompanhamento pela neurologia para Esclerose Múltipla. DISCUSSÃO O principal objetivo com a EVD é a validade do diagnóstico psiquiátrico. Desenhar um modelo matemático que ajude a pensar de forma probabilística de certa forma mensura o grau de confiança naquela hipótese. A idéia pretendida aqui não é reduzir o papel do especialista, muito pelo contrário é justamente organizar os itens principais do modelo semiológico atribuindo pontuações para que o médico, e somente ele, possa apresentar uma hipótese com um grau maior de embasamento. É de conhecimento notório que os diagnósticos psiquiátricos pequem por imprecisão por motivos inerentes aos profissionais e por falta de uniformidade nas informações. [8-10; 21- 22]. Acreditamos que essa imprecisão deve continuar existindo por um bom tempo, pois contempla o espaço necessário ao desconhecido, considerando o fato de trabalharmos com a estrutura mais complexa já observada no universo: o cérebro humano. O mesmo com suas 1015 de conexões mediadas por centenas de neurotransmissores, influenciados por inputs de informação contínua de origens diversas, que sinalizam em outras centenas de subreceptores de formas diferentes ainda tem muito de seu funcionamento geral não mapeado. [13-14] De fato não deixar espaço para o desconhecido diante dessa complexidade é uma grande presunção. Por isso, o modelo estatístico apresenta-se como uma alternativa que entende que o trabalho psiquiátrico é realizado num sistema absurdamente complexo por pessoas que possuem esse mesmo sistema, portanto sujeitas a falhas. Claro que apenas admitir a dificuldade geral não exime de continuar uma busca por padrões mais replicáveis e, portanto fidedignos. São mais que necessários, porém antes que os mesmos existam e sejam parte cotidiana do trabalho clínico acreditamos que o modelo estatístico pode favorecer um melhor diálogo com toda classe médica ao apresentar dados quantificáveis cuja métrica seja descrita de forma sistemática. Outro aspecto positivo que podemos perceber é que essa sistematização na checagem dos itens da escala favoreceu um maior achado de co-morbidades e aperfeiçoou o cuidado clínico geral trazendo ganhos evidentes aos pacientes. Acreditamos que sistematizar a busca diagnóstica por um mapa impulsiona o médico psiquiatra a excelência e gera tratamentos mais efetivos, uma vez que são mais embasados, com menos efeitos colaterais. Apesar disso não ser claramente visto nos resultados apresentados pode ser subentendido com os dados que vemos de menor taxa de internação e ganhos sociais de estudo e trabalho e pelos exemplos dos casos clínicos. Um aspecto também relevante para a aplicação da escala diz respeito ao uso do diagnóstico para a concessão de benefícios. Quantificar o diagnóstico de forma mais palpável pode fornecer um critério mais justo como ponto de partida. Claro que a particularidade de cada caso e a gravidade dos mesmos são itens importantes nessa tomada de decisão, mas a busca por uma normatização desses critérios é fundamental, em especial se considerarmos que a prevalência das doenças mentais têm aumentado e seus custos como causa de afastamento do trabalho tem apresentado destaque. Os resultados do trabalho também mostraram uma importante face da saúde mental no Rio de Janeiro. Tomando que o IMPP é um centro de referência histórico para o diagnóstico e o tratamento de transtornos psiquiátricos é no mínimo curioso essa discrepância nos diagnósticos. Entendemos que em alguns casos, como os diagnósticos de Esquizofrenia, a prevalência encontrada antes da escala seja alta por uma tendência em rotular alguns pacientes com esse diagnóstico diante do meio social em que vivem e por serem “naturalmente” referenciados para os serviços do IMPP. De uma forma geral os itens que mais pesaram na mudança dos diagnósticos quando em uso da escala foram verificando que a história do quadro não era adequadamente valorizada e a observação da resposta ao tratamento e da evolução foi algumas vezes negligenciada.

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