PRÊMIO DE RESIDÊNCIA MÉDICA

282 283 Prêmio de Residência Médica Prêmio de Residência Médica Três semanas após primeiro contato o paciente apresentou quadro diarréico com desidratação leve. Foi tratado como gastroenterite com melhora importante do quadro. Passou a sair de casa para atividades leves. No fim do ano viajou para Holanda para visitar a família. Voltou de viagem em nova crise de pânico e com novo quadro diarréico dias após sendo prontamente tratado com sintomáticos apresentando melhora rápida do quadro. Parou novamente de sair de casa por 1 mês. Tentado acordo com o paciente de iniciar Sertralina mas o mesmo se mostrou contra. Nesse período estávamos sem psiquiatra na unidade e paciente se mostrava contrário a ver qualquer profissional de fora. Dois meses após paciente teve novo quadro diarréico grave, mais de 20 episódios/dia, muitos vômitos, prostrado, força reduzida, dificuldade de deambulação, sem sangue, muco ou pus nas fezes. Vimos a necessidade de exames laboratoriais de urgência e hidratação venosa porém o paciente negava qualquer chance de ida à emergência de hospital. Acordamos então tratamento na própria unidade com coleta laboratorial particular. Apresentava hiponatremia com sódio de 125mEq/ml, restante do laboratório sem alterações. Visita domiciliar no dia seguinte com paciente ainda muito prostrado, porém melhor que dia anterior, ainda negando qualquer possibilidade de ida ao hospital. Retornamos à unidade para nova hidratação venosa e sintomáticos endovenosos. No terceiro dia o paciente já estava se alimentando e sem vômitos ou diarreia. Feita nova coleta laboratorial em casa com sódio normal. Nesse momento o vínculo entre paciente e equipe foi extremamente fortalecido. Importante ressaltar que durante a investigação foi excluída qualquer alteração laboratorial além da hiponatremia e a pesquisa de sangue oculto foi negativa. Chegamos à conclusão que as crises diarréicas estavam associadas a descompensação das crises de ansiedade, nos levando então ao diagnóstico de síndrome do intestino irritável. Controle das crises só sendo possíveis com conhecimento da pessoa em foco. História de vida do paciente: H.F.N nasceu na Alemanha em 08/05/1943, quando seus pais, judeus, estavam presos em um campo de concentração. Dois dias após seus nascimento seus pais foram mortos e ele levado para um abrigo de crianças órfãs, onde estudava e trabalhava e onde ficou até os 18 anos. Com 18 anos eles eram adotados por fazendeiros e obrigados a realizar trabalho forçado. Quando estava indo para uma fazenda fugiu. Na França se alistou na Legião Estrangeira, virou apátrida e foi servir na África (Argélia, Congo, Nigéria), muitas vezes contra os próprios alemães. Recebia bem por isso e se formou em primeiro da turma como engenheiro mecânico na Universidade de Paris. Voltou para Alemanha já formado Quando conheceu a sua ex esposa R.N., com quem teve 4 filhos. Tem 5 netos. Seus sintomas de medo e pressentimentos ruins começaram há 16 anos quando a R.N. falava pra ele que precisavam ir à casa da filha mais nova e ele não podia pois estava trabalhando. No aniversário da mesma filha quando estava tendo uma festa na casa dela, ele estranhou a ausência do neto e quando o encontrou ele estava desacordado e com muitos sinais de espancamento. A filha e o genro foram presos e os “reis” passaram o pátrio poder do neto H.F.N. e sua ex-esposa. Começou a trabalhar no Brasil, em Fortaleza há 10 anos. Conheceu a sua atual esposa, I.R. no Rio há 5 anos com quem está casado até hoje Após conhecer a história do paciente o vínculo aumentou. Focamos na escuta ativa e passamos a procurar mecanismos de resiliência na sua fala. Estimulamos o paciente a sair de casa todos os dias para realizar atividade física e a redução dos estimulantes que o cercavam (mais de 1 litro de café, 2 maços de cigarro por dia, programas da época da guerra). Iniciamos em comum acordo com o paciente Sertralina e tentamos por algumas vezes a retirada gradual do bromazepam, sendo essa ultima falha, com graves sintomas de abstinência, até a chegada do psiquiatra Hélio na unidade que nos orientou e nos ajudou na retirada do benzodiazepínico. Paciente passou a fazer exercícios diários, parou de fumar, trocou o café por chá, iniciou a Sertralina e conseguimos reduzir a medicação com retirada de 1,5mg de Bromazepam a cada 2 meses. Fazia uso de anlodipino 5mg, hidroclorotiazida 25mg e propranolol 160mg, sendo retirados com controle satisfatório da pressão e mantido propranolol 80mg/dia. Está há 8 meses sem crises moderadas ou graves, com redução do bromazepam para 18mg, fazendo exercícios diários, indo à unidade de saúde para consultas, aceitando ser atendido por outros profissionais da estratégia. CONCLUSÃO Percebemos a partir desse e de outros casos que o modelo biomédico vigente hoje não dá suporte ao paciente para que esse supere sua doença. Conhecer a história da doença, sua evolução, que é diferente em cada individuo, e o próprio paciente a fundo é a chave para junto a ele superar o transtorno. Devemos descobrir os mecanismos de resiliência de cada um e criar uma forte rede de apoio e confiança. REFERÊNCIAS Duncan, Bruce B. Medicina Ambultorial: condutas de atenção primária baseada em evidências Gusso, Gustavo e Lopes, José Mauro Ceratti Lopes. Tratado de Medicina de Família e Comunidade Caderno de Atenção Básica: Saúde Mental nº 34

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