Pesquisadora premiada pela Acamerj fala sobre carreira
27/12/2012
Homenageada com o prêmio \"Acadêmica do Ano\" pela Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Acamerj), durante a solenidade do 38º aniversário da entidade, a pesquisadora titular do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e doutora em doenças infecciosas e parasitárias, Miriam Tendler, tem orgulho de ter optado pela medicina como formação. Desde 1975, ela pesquisa uma vacina contra a esquistossomose - doença frequente em áreas pobres e com deficiências no saneamento básico. Em entrevista ao CREMERJ, ela conta os desafios que já enfrentou e os que ainda tem pela frente, na luta pela saúde pública.
CREMERJ – Desde o início da sua carreira, a senhora se dedicou à pesquisa acadêmica. Como se deu essa escolha?
Miriam Tendler – Eu me graduei e me pós-graduei em medicina. Isso não é comum entre os pesquisadores, nem nos laboratórios brasileiros, nem nos americanos ou europeus. Mas desde o vestibular, eu sabia que não queria fazer uma medicina assistencial. No quinto ano, fui estagiar e acabei me interessando pela medicina social, pela epidemiologia. Depois, participei de um concurso de monografias e ganhei uma bolsa do CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Foi quando comecei na pesquisa e não parei. Esse foi meu único emprego, meu único projeto. Há quase 40 anos, eu optei por estudar uma doença que fosse importante para o Brasil e esse projeto acabou ganhando dimensões internacionais.
CREMERJ – E o fato de ser médica fez diferença em algum momento do trabalho?
Miriam Tendler – Foi fundamental, com certeza. Com formação em uma área mais ampla, eu consigo coordenar melhor o trabalho. Eu trago as competências que eu preciso para o projeto. Tenho cerca de 50 colaboradores (biólogos, bioquímicos, entre outros), cada um desenvolve uma parte muito importante do trabalho. Mas tenho clareza de que a minha visão de médica me deixa mais confortável para conduzir os rumos da pesquisa. À medida que o projeto foi evoluindo, foram aparecendo muitas perguntas, questões que só poderíamos responder se focássemos no produto, na vacina para ser usada de verdade e não no laboratório. E para virar um produto, eu tinha que entender de vacinas e não de biologia. Era uma questão de conhecimento médico.
CREMERJ – Nos próximos anos, a vacina contra a esquistossomose já estará disponível para a população? Em que fase está o projeto?
Miriam Tendler – Entramos com o pedido de autorização na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para os testes clínicos avançados. Pela parte técnica, a vacina já poderia estar no mercado em três anos, mas nós dependemos de uma série de etapas burocráticas, que nem sempre andam rápido. Precisamos ainda fazer um teste maior de segurança, que será realizado com 216 pessoas em duas áreas endêmicas no Nordeste e uma na África. A ideia é andar o mais rápido possível com essas etapas, para tentar incluir logo a dose no calendário infantil de imunizações. As vitórias nesse projeto são muito importantes para a população mais pobre porque, embora tenha tratamento, a esquistossomose provoca um ciclo vicioso: a pessoa se medica, diminui o parasitismo, mas é reinfectada e passa a vida tomando remédios. As consequências para a saúde são muito ruins.
CREMERJ – Os avanços do seu projeto tiveram grande repercussão internacional. Que consequências isso pode trazer para a pesquisa brasileira como um todo?
Miriam Tendler – Esse resultado é uma arma para mostrarmos ao mundo que temos capacidade de desenvolver tecnologias para as nossas doenças, o que nos dá mais autonomia para definirmos os caminhos que pretendemos seguir nas pesquisas nacionais. Em alguns momentos, o desenvolvimento de vacinas como a da esquistossomose enfrentou uma certa barreira das grandes indústrias farmacêuticas. Provamos que é possível conseguir avanços importantes independentemente dessas questões.
CREMERJ – E como é a sua rotina de trabalho para levar à frente esse projeto?
Miriam Tendler – Não tenho dia, noite, sábado, domingo. Para falar a verdade, não me lembro da última vez que tirei férias (risos). Para você ter uma ideia, na primeira vez que fui ao Egito a trabalho, saí da reunião direto para o aeroporto, sem nem ver as pirâmides. E era um lugar que eu queria muito conhecer. Eu não acho que seja perda de tempo se dedicar completamente ao trabalho, não tenho essa agonia. Acordo às 6h, nado, passo o dia no laboratório ou em reuniões. Quase toda semana viajo para outra cidade do Brasil e, só em 2012, fui três vezes para os Estados Unidos, uma para a Suíça e uma para a Argentina. O trabalho é cansativo, mas quem escolhe essa área tem muito prazer no que faz. O que desencanta é a perda de tempo, esse desespero de lidar com a burocracia no Brasil.
CREMERJ – Esse ano, a senhora foi premiada pela Acamerj. O que essa homenagem significa?
Miriam Tendler – Esse tipo de manifestação me sensibiliza muito, fico lisonjeada. É uma coisa que me dá força para seguir desafiando os obstáculos, para que o projeto siga em frente. Mas esses prêmios também têm outro papel muito importante, que é o de informar, mobilizar a sociedade para pressionar os governos por uma estrutura, uma política pública que valorize o desenvolvimento de produtos, a ciência. Quanto mais se fala sobre o assunto, mais as pessoas cobram, participam. Por tudo isso, fico sempre muito agradecida.